Porto, fevereiro de 2003
Algum de vocês já sentiu uma vontade muito grande de fazer uma coisa, que de tão grande que era, se faz de tudo pra matar a vontade? Tipo imaginar que aquilo está acontecendo em um lugar mais adequado, esquecer que aquilo pode ser uma atividade de alto risco e que não se usa nada pra se prevenir, nem se preocupar em como vai se sentir quando acordar no dia seguinte, essas coisas...
Pois bem, este final de semana eu cheguei em casa por volta das duas da tarde, pela manhã tinha tido dois jogos de Futsal com minha equipe do colégio onde trabalho. Foram duas “piabas”, tava com a cabeça quente! Nessas horas nada melhor que um Futebolzinho pra relaxar... foi aí que um dos caras que mora comigo, o Márcio, me convidou pra jogar Futebol com os “caras do serviço”, naquela tarde ia acontecer um desafio Brasil X Angola (moro atualmente, até sexta feira, com dois irmãos brasileiros que trabalham na construção civil aqui em Portugal). Era tudo que eu precisava.
Saímos nós dois de casa e fomos andando até uma obra, que ficava no cominho da “quadra”, pra encontrar alguns brasileiros que fizeram hora extra no sábado. Chegando à obra, o Cláudio (irmão do Márcio) e mais um brasileiro, que ainda não tinham acabado o serviço, pediram pra irmos andando que logo depois eles chegavam. Um pouco antes de sairmos o Cláudio perguntou ao Márcio se ele tinha lembrado de trazer seu tênis pra jogar, mas o Márcio só trazia suas coisas....
Ao chegar à “quadra”, logo pensei no que a gente pode fazer pra jogar nosso Futebolzinho... aquilo um dia foi uma quadra, hoje só sobraram as muretas laterais e um pouco de chão cimentado no meio dos buracos. Além disso, antes de jogar tivemos que ficar alguns minutos tirando cacos de vidro de dentro da “quadra”. Mas mesmo assim sobrou um pouco, por vezes no meio do jogo eu via um caco de vidro esquecido e o jogava pra fora dali...
Regras do jogo: seis pra cada lado; a bola de capotão faltando, é claro uns gomos, que nunca saía, só quando passava por cima do muro; os gols marcados com dois paralelepípedos cada um e o jogo só acabava ao anoitecer (o jogo começou umas 4:30h, está anoitecendo umas 6:00h).
O jogo foi um autêntico “quebra canelas”. Quando há uma peladinha e tem um cara de gosta de distribuir uns pontapés, como ele é comumente chamado? Pode ter vários apelidos, mas com certeza um deles é PEDREIRO!!!!!. Venho dizer que já sabia que esta denominação era justa, mas não tão justa como agora. E posso também dizer que nossos pedreiros brasileiros são bem bonzinhos perto dos pedreiros angolanos.
Como eu já disse, às vezes é melhor esquecer que não estamos nos prevenindo contra o pior e desfrutar do ato que estamos fazendo sem pensar as consequências, porém, houve uma momento que me arrependi amargamente de não ter umas caneleiras... quando se joga num lugar meio “violento” a melhor coisa, pelo menos pra mim, é fazer o simples, ou seja, não prender a bola. “Pegar e tocar” é sempre o mais seguro. Só que teve uma hora, quando os angolanos já estavam tomando uns golzinhos na cabeça, que eu roubei uma bola e fui dar um corte, só pra ganhar um pouco de espaço. Pro meu azar, ele esticou uma das pernas pra tentar roubar a bola e ela resolveu passar direitinho onde não devia... por debaixo das pernas dele. Pra piorar, havia uns garotos assistindo ao jogo, que na mesma hora vibraram com a caneta que eu tinha dado... a partir dali comecei a rezar pra Nossa Senhora Protetora das Canelas Desamparadas e a me preocupar como eu iria me sentir no dia seguinte....
Os brasileiros começaram a ter que ficar mais espertos, pois metemos mais um monte nos angolanos, o que os deixava meio nervosos. Só que eu tinha que ficar mais esperto ainda, não adiantava mais “pegar e tocar”, eu tinha que “pegar, tocar e pular” já que o angolano que tomou a caneta chegava sempre atrasado e se eu não pulasse....
A nossa sorte foi que tínhamos uma arma secreta, como o Cláudio tinha esquecido o seu par de tênis e veio direto da obra, ele jogou com a butina do serviço... aquela mesmo, de couro e BICO de FERRO.
Quando acabou o jogo, estava bem feliz, pois além de fazer muito tempo que não jogava um Futebolzinho, eu estava inteiro, sem bem que com as canelas doloridas. Nesta mesma hora os brasileiros já começaram a sacanear os angolanos. O Jogo tinha acabado 11 x 5. Logo depois do final, um dos angolanos veio em minha direção me convidando pra fazer a revanche no próximo sábado...
Foi aí que uma sensação que tive durante o jogo ficou mais evidente, eu era o único jogador, de todos da quadra que não era negro, por isto parecia que os angolanos me tratavam de maneira diferente, ainda mais quando começaram a perder, não que queriam me machucar, ou coisa parecida, mas parecia que para mim eles não admitiam perder, por isto jogavam mais duro, dividiam mais forte, essas coisas. Isto ficou evidente no convite pra revanche, pois fui o primeiro a receber a proposta...
Agora se eu vou aceitar?
Se minhas canelas pararem de doer até lá, quem sabe....
Rezem por minhas canelas...
Nesta vida não tenho muitas conquistas materiais, porém as histórias são diversas. Quem eu seria sem minhas histórias? Não seria eu.
domingo, 9 de março de 2008
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Um comentário:
mto bom. agora, quer dizer que as canelas brancas foram discriminadas? mas tem uma diferença grande entre futebol de colégio e disputa entre trabalhadores da construção civil.
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