Nesta vida não tenho muitas conquistas materiais, porém as histórias são diversas. Quem eu seria sem minhas histórias? Não seria eu.

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sexta-feira, 18 de junho de 2010

Mais que um jogo


Quando vivi em Portugal, uma família patrícia me acolheu como se dela eu fizesse parte... mas fora daquela casa, não havia o quê me fizesse sentir fazer parte daquilo tudo, sendo um igual no meio deles. Talvez fosse eu mesmo que me via como uma diferente.

Já faz mais de três anos que por aqui estou... meu esforço pra aprender o idioma e entender este país valeram muito a pena. Não me lembro de um momento em que me sinta uma carta fora do baralho. Como já disse um amigo: "pra mim você é um holandês que fala meio diferente".

Era final da EUFA Cup... Porto x Celtic, da Escócia. Muitos amigos, internacionais e brasileiros, iriam assistir ao jogo juntos. Decidi sair sozinho. Da avenida dos Aliados gritávamos todos: Puuuoooorrrtooo!! Não se importaram de onde vinha, acho se quer repararam em meu sotaque. Não os achei desconfiados... Fiz mais contato com eles por ali, naqueles 90 minutos, do que no resto do tempo que fiquei por lá.

O convite foi feito: "o jogo começa as 20.30h... traga sua bebida e seja bem vindo, desde que você não torça pros de vermelho!!" Vários amigos apareceram e, como combinado, a torcida foi pro Brasil... houve porém diversão com o sufoco alheio, ainda mais sendo a Corea do Norte a pressionar um penta campeão! Apesar da amizade, uma tal rivalidade aparecia, principalmente entre os boleiros holandeses e o brasileiro. O nosso futebol ainda faz muito sucesso por aí, mas tenho certeza que não seriam apenas os argentinos a sorrir com nossa derrota... "se a gente for hexa vocês vão ter que me aturar!!!!"

Que poder tem este jogo: um dia nos faz iguais... no outro, transforma os amigos em grandes rivais.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Conclusões à primeira vista


Eu já morava em Portugal havia um tempo... estava acostumado com as coisas. Já tinha aprendido muito bem a aceitar as diferenças e compreendia perfeitamente que, mesmo compartilhando um idioma, Portugal não era o Brasil. Eu conseguia desfrutar bastante de minha vida, mas, mesmo aceitando muito bem algumas coisas indesejadas, ainda haviam momentos que chegavam a me tirar do sério.
Como quase sempre, passava num mercado perto de casa pra comprar coisas pra comer. Desde a primeira vez que ali entrei, vi uma placa que dizia ser proíbida a entrada com bolsas e mochilas. Estas deveriam ser deixadas nos armários indicados.
Duas coisas me faziam não deixar minha mochila por lá: tinha que pagar 50 cents para alugar um armário e quase ninguém os usava. Quase todos carregavam suas bolsas.
Eis que um dia, ao passar pelo caixa, foi me solicitado que eu mostrasse o que eu tinha no interior de minha mochila. Queriam verificar se eu tinha "pego" algo.
O sangue ferveu. Por que a senhora portuguesa que estava na minha frente, com uma bolsa debaixo do braço, não tinha sido revistada? Esconder uma coisa na bolsa dela seria muito mais simples, por estar pendurada logo abaixo do braço, do que na minha, que estava nas costas!
Fiquei com tanta raiva daquela situação: "malditos colonizadores!!!! Roubaram tudo o que era riqueza nossa e agora acham que só por ser brasileiro (eu vestia uma camisa do Brasil) eu ia roubar deles." Eu queria xingar... mas não o fiz. Conferiram minha bolsa, paguei a conta e fui embora com uma melancia entalada na garganta.
Lá quase não voltei mais. Passei a comprar minhas coisas num outro supermercado. A raiva diminuiu... mas não passou.


Eu já estava há cerca de três semanas com minha família holandesa pelo Brasil. Tínhamos passado os últimos 12 dias na Bahia. Todos estavam encantados com a facilidade que brasileiros têm em conversar com estranhos, seja onde for, na padaria, no mercado, na rua, no ônibus... Na Bahia então, a coisa é ainda mais cativante.
Estávamos a caminho do aeroporto e, com nossas bolsas, ocupávamos todo o fundo daquele micro-ônibus. Conversa vai, conversa vem e mais um bahiano vira nosso amigo. Ele queria conversar com todo mundo, usando a Susanne e a mim como tradutores.
Depois de algum tempo viajando com eles pelo Brasil, eu até já sabia o que as pessoas iriam perguntar. Numa conversa rápida, as perguntas são basicamente as mesmas. Ficava bem fáçil de responder: De onde eles vêem? Estão gostando? O que eles comem por lá? Qual a comida que eles mais gostaram aqui? É frio lá? Tão sentindo muito calor aqui? e por aí vai...
Depois de algum tempinho de conversa o pessoal da minha família começou a conversar entre si, sobre as diferenças, neste ponto, existente entre Brasil e Holanda. Pra eles os brasileiros pareciam bem mais simpáticos, amigáveis, sendo aquele rapaz um grande exemplo disso.
Como eles conversavam entre sí, e as opiniões iam e vinham, acabaram nem por perceber que o bahiano amigo foi-se embora... perderam assim, a oportunidade de se despedir daquela agradável figura, que no momento so mostrava mais um exemplo de simpatia brasileira. "Foi uma pena."


Eu tinha voltado a Portugal pra defender minha dissertação. Passeava por aquele pedaço do Porto onde tinha vivido. Que boas lembranças... devido a vontade de comer algo decidi tentar deixar de lado minha raiva e entrar novamente naquele mercado. Depois de mais de um ano eu teria que ser capaz de entar ali sem que o sangue subisse pra cabeça.
Logo que peguei minhas coisas entro na fila mais curta dos caixas. A caixa era a mesma. O sengue meio que subiu. "Hoje eu não aceitaria quieto uma coisa daquelas!!" Tinha certeza que ela tinha se esquecido de mim, mas eu não me esquecia dela.
Ao casal de velhinhos da minha frente ela pediu pra ver a bolsa. Já a minha... ela deixou passar.

Enquanto o pessoal da minha família conversava entre si, minha conversa com nosso amigo continuou. Ele sentava uns três bancos a minha frente e ficava o tempo todo virado pra trás. Eu, quase no piloto automático, ouço então uma pergunta não tão comum pra'quele tipo de conversa, mas minha resposta saiu quase tão automática quanto as outras: "como eles vêem da parte católica da Holanda, se dizem católicos, mas não são praticantes, principalmente os filhos. Já eu, quando estou no Brasil e posso, frequento um centro de umbanda." A conversa acabou quase ali. Nosso simpático amigo logo voltou a se sentar virado para frente... assim ele permaneceu até que se levantou e, sem qualquer adeus, saltou do ônibus a caminho de sua igreja, com sua bíblia debaixo do braço.

Passei um ano tendo raiva de uma situação na qual tinha sido discriminado. Preconceito assim nunca tinha sentido. Mas este preconceito eu só senti, pois o preconceituoso na verdade fui eu... felizmente pude compreender que aquela moça, provavelmente, deve ter que verificar uma amostra das pessoas que entra no mercado, desrespeitando uma norma da casa, ou seja carregando uma bolsa. Uma vez fui eu... outra vez um casal de velhinhos, portugueses, longe de qualquer suspeita.

Pra minha família, foi uma surpresa descobrir que a simpatia pode ter um limite bem determinado. Ser amistoso com um estranho tudo bem, mas com um infiel não... se eu não tivesse explicado a situação pra eles, talvez continuariam a usar o rapaz com um exemplo da ampla simpatia brasileira.

A primeira vista tomamos muitas conclusões que se mostram equivocadas. Felizmente hoje em dia tento pensar duas, três vêzes antes tirar as minhas, sejam elas negativas, ou positivas. Não nego que brasileiros podem ser discriminados por aqui, mas tenho minhas dúvidas na maioria das coisas que ouço. Admito a simpatia brasileira, mas sei bem que ela não é tão grande como gostaríamos...

A primeira vista qualquer um diria que o monstrengo de trás é duas vezes maior que o da frente...

domingo, 9 de março de 2008

VAN-MOS NÓS!!!!



Porto, maio de 2003

Eu tinha decidido que não iria viajar nestes feriados, apesar de ter duas semanas livres, achei melhor que ficasse por aqui estudando um pouco, escrevendo minha dissertação...
Mas de uma hora pra outra, depois de pensar melhor, de ver que daqui a uns dois meses meus melhores amigos estarão voltando para suas casas, que o contato vai ficar muito difícil, que ainda não tinha viajado com alguns deles e de perceber que o tempo pra isto está acabando... resolvi entrar naquela VAN e passar uma semana viajando com algumas das pessoas que mais gosto.
Eu pra falar a verdade não estava muito preocupado com os lugares que iria conhecer, com a distância que iria percorrer durante esta semana... só queira mesmo passar um tempo com meus amigos em lugares diferentes do habitual e fazendo coisas também diferentes que até então não tinha tido oportunidade de fazer. Tipo participar de uma roda de violão em baixo de um templo romano com mais de 2000 anos de idade, ou brincar de esconde-esconde nuns Cromeleques.
Pra quem não sabe o que é isto e eu também não sabia, é um conjunto de pedras, que são chamadas de menír, daquelas que o Obelix gosta de carregar nas suas horas de folga... um exemplo mais famoso de cromeleques está na Escócia, o “Stone Range”
Enquanto viajávamos ríamos o tempo todo, aquela VAN era uma bagunça, ainda mais porque nela havia umas figuras de outro mundo, ou melhor de Campo Maior, que não são estranhas e sim INTERESSANTES...
Quando chegamos ao tal Cromeleque, o tempo estava fechado e garoava um pouco, vale ressaltar que ninguém sabe ao certo pra que servia aquilo, alguns dizem que era um observatório astronômico e outros dizem que era pra ser usado em algum culto religioso. Existem mais outras mil teorias, mas nós descobrimos que o verdadeiro sentido daquele lugar era o esconde-esconde. Não há lugar mais perfeito pra isto, havia esconderijos pra todo lado, atrás de pedras de diferentes tamanhos e em diferentes posições, o terreno é plano, por isto dá pra correr sem muitos perigos de cair, parece realmente uma arena de esconde-esconde...
Afirmamos que nossa teoria é a real, pois naquele feio dia de garoa, a única hora que o Sol apareceu foi enquanto brincávamos. Acho que os seus “idealizadores” devem ter ficado felizes por finalmente alguém descobrir a sua finalidade e mandaram uns raios de Sol pra agradecer... vale ressaltar que aquilo já está lá há uns 15 mil anos!!!!! Uma das coisas mais engraçadas da brincadeira era ver a cara dos turistas que estavam por lá, no começo eles pareciam não acreditar no que aquele bando de marmanjos estava fazendo, mas logo começaram todos a rir e fazer uma cara de quem estava querendo participar da brincadeira...
Como já disse aquela VAN era uma bagunça. Depois de passar uma semana dentro dela, já não acho mais que o carro de uns suíços que me deram uma carona durante a Aventura Vicentina era tão sujo assim....
Eu era o único naquela VAN que não estudava arquitetura, isto foi muito interessante, pois o que a primeira vista era apenas uma bela igreja, se tornava logo um belo exemplar de uma construção que continha toda a história do período gótico português com algumas influências neo-góticas, devido aos alinhamentos, ângulos, retoques e mais um montão de coisa que já não me lembro...
Passamos por quase todo Portugal. Descemos sentido sul, beirando o litoral. É claro que, como qualquer bom brasileiro com pouco dinheiro no bolso, optamos pelas estradas sem pedágio e por isto sempre bem judiadas... muita gente não gosta destas estradas, mas era consenso entre nós que além de não pagar o pedágio, passaríamos por lugares mais “perdidos” e interessantes. Foi isto mesmo que aconteceu.
A primeira parada verdadeira foi em Batalha. Lá tive minha “primeira aula de arquitetura”. Antes já tínhamos parado em Leiria, mas o castelo, a principal atração da cidade, estava fechado porque era feriado, vai entender... um lugar que vive do turismo fechado no feriado, mas beleza, é bola pra frente, ou melhor, VAN pra estrada...
Na “descida” ainda passamos por Sintra, que tem um castelo mouro muito bonito, é um dos castelos mais impressionantes que já vi, e olha que já vi muitos. Ele fica sobre uma montanha bem alta, de onde se tem uma vista muito louca. De lá pode-se ver um outro castelo que fica num outro cume da montanha, todas as cidades da região, entre elas Lisboa, Cascais, Estoril, e mais um montão que a gente não conseguia identificar. Era possível ver também o mar, que ficava muito bonito de lá do alto...
Por falar em mar, também fomos um dia pra praia, acho que nunca tinha me sentido tão farofeiro quanto naquele dia, imaginem uma VAN cheia de gente, forrada de pão com atum, pão com mortadela, entre outros quitutes, mais umas raquetes de frescoball e é lógico, aquilo que não pode faltar pra um farofeiro... a bola de futebol!!!!
O mar aqui em Portugal é extremamente gelado, mas muito gelado mesmo. Aquele dia não estava dos mais quentes, mas a vontade de entrar na água era tanta, que fui obrigado a me aventurar... não sem antes fazer um aquecimento e depois sair correndo que nem um louco pra somente perceber o quanto a água é gelada quando já estivesse lá dentro.
Passados uns 5 minutos na água, minhas pernas e meus braços começaram a adormecer, resolvi sair, achei mais seguro... quem nunca fez gelo e o deixou tempo demais em contato com a pele, que depois de retirá-lo, a pele fica adormecida e ardida, como se tivesse sido queimada... pois é fiquei todo assim, inclusive em alguns lugares que... deixa pra lá. Mas tudo bem, alguém já viu um farofeiro reclamar de alguma coisa, tudo é festa, tudo tá bom, e pra nós foi assim... só faltou a farofa mesmo!
Fomos passar também pelo Alentejo, mas antes fomos “obrigados” a parar em Lisboa e comer os famosos pasteis de Belém, que são uns doces, cobertos com um creme de natas, muito gostosos. Em Lisboa há uma fábrica que já os faz há alguns séculos, assim eles tiveram bastante tempo pra se aperfeiçoar. Dizem por Portugal que o doce de lá é o melhor do país.
O Alentejo é uma região de Portugal muito bonita, cheia de cidades e aldeias históricas, também é muito famosa por sua paisagem rural, dizem por aqui que aquela grande fama dos portugueses vem de lá... bem, depois de chegar e rodar pelo Alentejo, com paradas em Évora, Monsaraz, nos Cromeleques, numa gruta com pinturas rupestres de mais de 18 mil anos antes de Cristo, demos uma esticada até a Espanha, em Cárceres, uma cidade medieval, e voltamos, sentido morte, pelo interior, passando por algumas aldeias históricas, entre elas Monsanto, que pra todos foi um dos pontos altos da viagem.
Esta aldeia fica incrustada num morro rochoso, muitas vezes não se pode perceber quando as pedras fazem parte do morro ou de uma casa, se é que dá pra diferenciar uma coisa da outra, as casas se misturam com a encosta, ainda mais porque foram construídas com as mesmas pedras de lá, por isto têm a mesma cor. Pode-se ver grandes pedras invadindo as casas, ou talvez as casas invadindo as pedras...
Eu cheguei a entrar numa delas que estava em ruínas, havia uma grande pedra que era uma das paredes do lugar, e que, por dentro chegava a ocupar grande parte de um dos cômodos, tipo 25% do cômodo era ocupado por ela... viva minhas aulas de arquitetura!!!!
Chegando ao alto daquele morro, tinha umas ruínas de um castelo, também numa grande simbiose com o lugar, de lá de cima podíamos ter uma vista animal da região, toda rochosa, com algumas pequenas cidades perdidas entre os morros. Lá, o Alziro e a Roberta foram andar pelo lugar, o Bruno, o Rafael, a Camila e a Camila foram bater umas fotos, o Luiz se deitou numa pedra e eu fui pro alto da ruína de uma das torres.
Enquanto ficamos ali, parecia que estávamos recarregando as pilhas, de lá além de ter uma belíssima vista, ainda tinha o barulho do vento, somado com os badalares dos sinos de algumas ovelhas que pastavam não muito longe dali, o som de um senhor cortando uns galhos secos no pé do morro e o canto de alguns pássaros... acho que foi das poucas vezes que consegui não pensar em nada, só me sentia fazendo parte daquilo tudo. Como disse, depois de ir embora estava com as pilhas recarregadas...
Évora é, segundo muitos, uma das mais bonitas cidades portuguesas, ela possui um centro medieval, todo cercado por muralhas, como muitas vilas ou cidades por aqui. Possui, além disto, ainda ruínas do tempo que os romanos dominaram o "mundo". Umas delas de um templo, onde fomos de noite fazer uma roda de violão. Dentre as muitas construções históricas de Évora, uma delas me impressionou bastante, a Capela dos Ossos.
Quando se chega lá, na entrada da pequena capela, pode-se ler sobre a porta: “Nós que aqui estamos, pelos vossos esperamos”. O lugar é meio macabro, foi construído como um culto a morte por três padres franciscanos. Em seu interior há cerca de 5000 crânios humanos e mais não sei quantos ossos que cobrem todas as paredes e colunas da pequena capela. Os ossos que estão nas paredes foram somente empilhados uns nos outros, por isto só se vê a cabeça dos ossos e no meio destas os crânios.
O teto de lá está todo decorado com crânios e pinturas de caveiras humanas, elas parecem estar sorridentes, como se fossem aqueles anjinhos pintados no teto da maioria das capelas... há também dois corpos, um adulto, todo corcunda e uma criança pendurados em uma das paredes, eles ainda possuem pele, músculos como verdadeiras múmias. Há várias lendas sobre o porque deles estarem naquele estado de conservação.
Uma delas diz que o filho batia na mãe, e o pai era condizente com a situação. A mãe pouco antes de morrer, rogou uma praga sobre os dois que morreram e ficaram como estão...
No final da subida pelo interior, fomos chegar a Trás os Montes, uma região que já conhecia, onde fiz a primeira de minhas aventuras na Europa, mas quando a fiz estava só. Agora tinha a oportunidade de levar meus amigos pra conhecer alguns dos lugares bastante especiais por onde já tinha passado.
O Rio Douro é muito bonito nesta região, o Parque Natural do Douro Internacional. Lá, ele, que vem desaguar no mar aqui no Porto sobre a minha vista, é ainda mais bonito, pois corre entre grandes penhascos, ainda selvagens, com pouca intervenção humana. Naquele ponto ele ainda tem o charme de dividir Portugal da Espanha.
Foi uma pena que o dia estava chuvoso, aquela região com Sol fica ainda mais espetacular... nós paramos na Barragem de Picote, uma barragem construída em 1949 entre os penhascos, que, segundo meus amigos quase arquitetos, devem ter uns 200 metros de altura, fiz questão de bater uma foto, num mesmo lugar que bati da outra vez na qual estava sozinho, agora com todos eles.
Sentia-me muito feliz por mostrar aquele lugar pra outras pessoas, pra falar a verdade às vezes chego até a pensar que alguma das coisas que já fiz fazem parte de algum sonho, de tão loucas que algumas destas foram. Chegar ali com meus amigos veio me provar que tudo aquilo é muito real, que eu estive por lá, que eu realmente tinha feito aquilo tudo...
Enquanto andávamos em direção a Miranda do Douro eu reconheci um ponto por onde tinha passado, que pra mim é até hoje um dos mais bonitos que já vi em toda a minha vida. Este lugar tinha sido muito marcante, pois, quando passei por lá sozinho além de ficar maravilhado com o lugar fiquei muito triste por não poder dividir aquele momento com mais ninguém, éramos eu o lugar e Deus, aquela experiência tinha me proporcionado sentimentos fantásticos, porem um pouco tristes...
Quando, da estrada, reconheci o lugar, pedi pro Luiz parar a VAN e falei sobre minha vontade de voltar lá. Apesar do dia chuvoso e frio, o Luiz e a Camila, a Cáca, vieram comigo. No caminho de ida, fui um pouco na frente dos dois, porque queria sentir novamente o que senti quando estive lá só. Quando avistei a “minha pedra” chorei... parecia não acreditar que estava lá novamente, mais uma vez eu o lugar e Deus, fiquei um tempo aproveitando aquela sensação, vendo o rio passar bem pequeno lá em baixo, vendo Miranda do Douro bem pequena lá no fundo e aquela mesma igrejinha do lado espanhol.
Quando os dois chegaram, não cabia em mim de felicidade, mais uma vez pude provar pra mim mesmo que tudo aquilo que tinha feito era real e poder dividir o que estava sentindo com dois grande amigos foi maravilhoso, a muito tempo que sinto um vazio no peito, mas naquela hora não me faltava nada...
Enquanto conversávamos um pouco, em cima daquela pedra, tomamos um grande susto, pois, de repente, apareceu um bando de condores (sei que são condores, pois uma das vezes que pesquisei sobre o lugar, li que estes imensos pássaros habitavam aquelas escarpas), eles saíram de um lugar imediatamente abaixo de nós, e começaram a voar logo ali na nossa cara, foi animal...
Depois foi só voltar pro carro, trocar de roupa e seguir em frente. Onde iríamos parar já não me interessava mais, já estava feliz com minha viagem, tinha conseguido fazer tudo o que queria durante aqueles dias, a convivência com todos foi maravilhosa.
Os que não eram tão amigos passaram a ser e os que já eram meus grandes amigos, entraram definitivamente para aquele seleto grupo dos que eu nunca vou esquecer, “mesmo que o tempo e a distância digam não”!!!!!
Mas é assim, estávamos todos felizes com a viagem, curtindo o que ainda restava dela, tínhamos passado também por Bragança. Já nos encontrávamos a uns 5Km do Porto, quando o Luiz, que estava dirigindo a VAN disse: “galera, tá acabando o combustível”. Depois de um breve silêncio, todo mundo começou a gozar dele dizendo que ele estava louco, pois tínhamos acabado de botar uns litros (3 litros pra ser mais concreto), e pra todo mundo era impossível o diesel estar acabando. Aí o Luiz falou: “Tô falando sér...” ele foi interrompido pelo apagar do motor.
O silêncio tomou conta do carro. Silêncio que alguns segundos depois foi quebrado por um monte de gargalhadas. Ninguém se agüentou, todos começaram a rir, ainda mais quando vimos uma placa dizendo que havia um posto de gasolina a 3Km. Como estávamos numa descida continuamos rindo e torcendo pra que a bendita descida percorresse os 3Km.
Ela percorria uns 2Km e poderíamos chegar bem perto do posto com o embalo se no meio do caminho não tivesse um PEDÁGIO!!!!

Tinha um pedágio no meio da descida,
No meio da descida tinha um pedágio...

De resto foi passar o pedágio empurrando o carro, rindo... esvaziar nosso garrafão de água, rindo... esperar rindo enquanto o Alziro e o Luiz fossem rindo buscar mais diesel, com a garrafa de água... depois chegar no Porto, também rindo!!!!!!

Aventura Vicentina




Porto, março de 2003

Quando planejei esta viagem, tinha em mente que ela seria um bocado rústica, sem qualquer luxo ou frescuras, pois estávamos indo pra uma região bem deserta. Éramos três pessoas: eu, o Luiz e o Rafael (Moku-moku).
Eu sempre gostei de fazer este tipo de aventura e há algum tempo estava planejando alguma coisa pro Carnaval, pois passar este grande feriado festivo, que sempre trás grandes lembranças pra maioria dos brasileiros, debaixo da chuva de inverno no Porto seria a maior das torturas.
Eu tinha resolvido fazer uma viagem pra algum lugar que não seria possível perceber que era carnaval. Na primeira vez que comentei com o Luiz sobre os planos pra viagem ele se empolgou logo de cara. Afinal se pra mim que passo o carnaval em São Paulo ficar ali seria uma tortura, eu não posso imaginar o tamanho do sofrimento que seria alguém que passa os carnavais em Olinda, Pernambuco. Acabamos combinando em fazer a aventura juntos.
Apenas alguns dias antes de partir descobrimos que o Moku não ia fazer nada. Resolvemos que seria melhor a gente ter algumas dificuldades a mais pra pegar alguma carona, ou ter que se apertar pra dormir na minha barraca do que a deixar outro amigo pernambucano sozinho debaixo daquela chuva.
Nós três iríamos perambular por um parque florestal, costeando o mar. Este parque, por ser bem selvagem, tinha poucas estradas. Por isto não tínhamos a opção de pegar uma carona e ir até qualquer lugar mais ou menos civilizado, onde poderíamos encontrar um lugar pra dormir ou um restaurante qualquer pra comer alguma coisa, ainda mais estando em três marmanjos. Além de que, não pretendíamos gastar quase nada de dinheiro, pois o pouco que levamos seria apenas utilizado pro essencial, ou seja, comer!
Por isto, sempre, ou quase sempre, tínhamos dentro das mochilas algo pra comer, água e minha humilde barraquinha, que acabou sendo nossa morada por toda a viagem. Sabíamos também de antemão que qualquer canto seria um bom lugar pra armar a barraca e passar a noite.
Mas pra ser bastante sincero, não achei que seria tão rústica como foi, que chegaria a passar seis dias com apenas um banho com água doce e sabonete, que usaria apenas duas vezes um banheiro neste período, não pensei que fosse camelar tanto quanto eu camelei…
Caminhávamos o dia todo, quase sempre sobre as falésias. Neste lugar parece que o litoral tomou um elevador e subiu alguns andares. É muito interessante. As cidades, os vilarejos e o próprio parque ficam quase sempre a muitos metros de altura do nível do mar. Entre eles existem sempre grandes falésias (penhascos)
No começo da viagem elas eram mais para arenosas, com diferentes tonalidades de areia. Em uma das praias que passamos, era possível ver muitas tonalidades e cores expostas em sua encosta, me desculpem os cearenses que conheço, mas as areias de Morro Branco, famosas por suas areias multi-coloridas ficaram sem graça depois que vi as areias da Praia da Luz…
Na maior parte da viagem as falésias eram formadas por imensos rochedos, pra mim as formadas pelas rochas eram as mais bonitas, me pareciam mais imponentes, também porque eram quase sempre bem maiores.
Outra coisa que me surpreendeu, foi que fiquei com a sensação de que o produto ficou melhor do que a encomenda, a viagem saiu bem melhor que esperava, conheci lugares fantásticos que são até difíceis de descrever, lembro-me de outras viagens que fiz, nas quais os lugares espetaculares, a gente só via por algum tempo, pois tinha o caminho pra se chegar até eles, a volta, estas coisas.
Nesta viagem, o tempo todo ficávamos maravilhados com o que víamos. A “trilha” que seguíamos era sempre rodeada por lugares maravilhosos, sempre lá em baixo tinha o mar, com suas grandes ondas se chocando com aqueles rochedos imensos numa violência muito grande. Nós ali de cima, tínhamos uma vista fabulosa, olhando para frente era possível ver no horizonte a união das falésias com o mar.
Olhar para aquele ponto nos motivava bastante, pois tínhamos sempre a vontade de alcança-lo e ver o que ele nos reservava… quando olhávamos pra traz, era possível ver o mesmo encontro, só que destas vezes olhávamos com saudade, pois aquele lugar tinha nos proporcionado sentimentos incríveis, provocados pela sua beleza, pela dificuldade que tinha sido chegar até ali e pelo fato de estarmos um lugar incrivelmente bonito e que parecia nosso. Muitas vezes estávamos isolados de qualquer contato com pessoas… éramos só nós, as mochilas, o lugar e Deus.
A palavra que mais ouvimos uns dos outros durante estes dias foi caralho!!!! O tempo todo, enquanto andávamos, ouvia-se de um de nós dizer: CAAARAALLLHHHOOO!!! Quando olhávamos era um com cara de bobo, com a máquina fotográfica em punho pronto pra bater uma foto, ou então, estava lá um sentado na beira do precipício, com cara de perdido sem saber pra onde olhar. Quantas vezes eu não me peguei sentado desta maneira, com as pernas balançando em direção à água. Parecia que tudo parava, que o momento era só meu...
O nosso roteiro é meio obscuro, pois só sabíamos que íamos andando beirando o mar rumo norte (a princípio sentido oeste até o Cabo de São Vicente), olhávamos no mapa e as vezes conseguíamos encontrar, ou melhor, supúnhamos encontrar onde estávamos, fazer os prováveis caminhos por onde estávamos passando, prováveis roteiros e metas para o dia. Bem como, “foi possível” elaborar o roteiro final da viagem… que pelo menos pra mim tem poucas certezas, entre elas que tudo acabou-se em ZAMBUJEIRA!!!!!!!
Saímos do Porto na sexta feira de carnaval. O Luiz, tinha passado no meu quarto, na residência onde vivemos. Estava acabando de colocar tudo na mala. Em seguida fomos encontrar o Moku, na casa dele. Quando estávamos os três a caminho da rodoviária naquela noite gelada, a "maldita" garoa resolveu virar chuva. Terminamos o caminho correndo, xingando muito o clima daquela cidade e felizes por estar saído de lá no carnaval.
A primeira parada foi em Lagos, ultima cidade sentido leste-oeste, do Algarve frenético e alucinante do verão português. A partir dali, começa a parte mais deserta e selvagem, por onde se estendeu nossa aventura. Passamos por várias pequenas cidades, como Luz, Vila do Bispo, Salema, Sagres, cidade onde ficava a famosa escola de navegação de portuguesa, que possui uma bela fortaleza. Passamos também por cabo de São Vicente, ponto português mais próximo do Brasil, Carrapateira, entre outras pequenas vilas e fomos acabar a Aventura em Zambujeira.
Durante estas andanças todas fiz coisas que já não fazia a muito tempo. No primeiro dia de viagem, enquanto caminhávamos para Luz e ainda estávamos em meio à civilização, “roubamos” muitas frutas no caminho, havia muitas árvores frutíferas nos quintais das casas e pegávamos aquelas que ficavam mais perto da calçada. Comi laranjas, ameixas e amêndoas que pra mim, diferentemente das outras frutas, é melhor comer das compradas mesmo, pois, não sei porquê, algumas que não tinham nada de diferente, eram muito amargas e depois de comer uma daquelas a boca ficava com um gosto horrível. Mas fazer o que? Escolhemos arriscar mesmo, afinal tínhamos comida de graça e amêndoas amargas também enchem a barriga...
Durante as andanças deu pra se aventurar bastante, estávamos seguros de que era impossível se perder, pois tínhamos o mar sempre a esquerda e qualquer problema, andando aproximadamente 6km, chegávamos a estrada nacional. Também tínhamos onde dormir, minha humilde barraquinha, por isto, mesmo quando não tinha trilha e quando o caminho não era muito difícil ou muito perigoso, seguíamos em frente.
Tivemos que escalar algumas falésias, com as mochilas nas costas, algumas bem altas, uma vez pra tomar o banho diário, eu e o Luiz descemos por uma delas que tinha uns trinta metros, que pela sua disposição formava uma espécie de escada, com suas fendas e relevo. Na descida passamos por uma pequena gruta, que ia até o outro lado dela, era muito bonita, lá em baixo havia uns poços formados pela água das ondas, foi o banho mais louco que já tomei e no lugar mais bonito de todos…
Em uma outra parte do caminho, onde a trilha dava uma imensa volta, um pouco distante do mar, e que havia uma praia relativamente grande, resolvemos tentar descer até ela e seguir andando um pouco pela areia. Na descida, aconteceu uma coisa que a muito não passava, tive medo...amarelei.
Estava na frente do grupo e íamos por um caminho que descia por um dos penhascos, ele era estreito, olhando pra baixo era possível ver as ondas batendo nas pedras, já tínhamos descido bastante e devíamos estar a uns dez ou quinze metros do mar, foi aí que o caminho ficou muito estreito. Sua largura era menor que o comprimento do meu pé. Aquela face da falésia ainda não tinha tomado Sol, por isto ainda estava úmida do orvalho e assim ficava muito escorregadia. Quando pisei ali não senti firmeza na pegada, olhei pra baixo e vi as “ondinhas” quebrando... amarelei, olhei pra trás e disse ao Luiz: “Mais nem fudendo que eu vou por aqui!!!!” . Ele agradeceu, pois disse que também não ia e se eu passasse ele não ia saber o que fazer…
Por causa disto tivemos que pegar várias pirambeiras. Eram subidas e descidas que não acabava mais. Entre as falésias havia uns vales, era por isto que a trilha passava muito longe do mar, pra fugir destas subidas e descidas. Sempre que descíamos tínhamos a esperança de que aquele vale ia chegar à praia, mas só conseguimos isto na quarta descida e mesmo assim, tivemos que brincar um pouco de alpinistas…
Numa destas "brincadeiras" quase ocorreu uma tragédia. Antes de sair do Porto, quando encontramos o Moku e eu vi que ele estava com uma mochila de uma alça só eu fiquei meio preocupado, pois achei que ele não ia suportar carregar todas as tralhas durante tanto tempo com uma mala como aquela. Ele disse que sim, pois estava acostumado.
Pois bem, a gente estava num lugar dos mais bonitos da viagem, era um pequeno vale entre as falésias. A parte mais baixa deste vale não chegava muito perto da água, mas a descida e a posterior subida eram puxadas. Quando cheguei ali, eu pedi pra ir à frente pra que eles tirassem uma foto pra mim quando eu estivesse do outro lado (a mesma foto que ilustra o texto). Andei uns cinco minutos à frente, mais uma vez a trilha ficava bem estreita e ela seguia subindo a face da falésia, abaixo somente as ondas se chocando.
Num ponto desta subida havia uma pedra no meio da trilha. Esta pedra tinha mais ou menos meio metro de largura e era da altura do meu peito. Pra passar eu tive que abraça-la e dar um grande passo até o outro lado onde a trilha recomeçava. Não tive problemas. Parei e os esperei logo depois dela. O Luiz também passou facilmente.
Quando o Moku foi passar, sua bolsa, que só tinha uma alça e estava posicionada do lado direito das suas costas, fez um movimento de pêndulo pra esquerda. Com isto ele foi meio que puxado pra baixo. Dava pra ver as mãos dele quase escapando da pedra. Lembro-me de olhar pro Luiz e torcer... por sorte, ou sei lá o que, ele conseguiu se agarrar bem e passar, mas meu coração veio quase na minha boca
Uma das coisas bem tristes do local, é que ele é muito mal cuidado, infelizmente Portugal não cuida do seu patrimônio. As poucas praias que existem e que possuem acesso por estrada eram cheias de garrafas de plástico, latas jogadas pela areia ou pelas pedras, restos de comida e outras coisas… ainda bem que há poucas estradas e as que existem também são mal cuidadas, o que dificulta o acesso ao local, pois só assim ele terá mais chance de permanecer por mais tempo selvagem…
Outro fator triste é que os portugueses (é claro que existem as exceções), não dão valor ao que tem, um exemplo disto é que era extremamente raro encontrar um turista português por lá. Sempre que cruzávamos alguns viajantes andando pela região eles eram bem receptivos, sempre nos cumprimentavam, a saudação era sempre no seu respectivo idioma… durante todos os dias de viagem não ouvi uma saudação em Português.
Durante o primeiro dia de andanças, chegamos ao alto de uma falésia muito grande, da qual podíamos ter uma vista espetacular da ponta de Sagres, onde ficava a fortaleza. Ela parecia bem pequenina, num contraste muito grande com seu tamanho e imponência quando vistos de mais perto. Eram quatro da tarde e resolvemos ficar ali pra ver o Por do Sol, mas como faltavam aproximadamente duas horas para ele, abrimos os sacos de dormir sobre um gramado e nos deitamos um pouco pra descansar, era muito bom abrir os olhos e ver aquele visual, o reflexo do Sol no mar, os penhascos.
Todas as vezes que abria os olhos pensava “CAAARRAAALLLHHHOO” e fechava novamente, pra poder abri-los mais uma vez e ter a mesma sensação, assim sucessivamente… acho que só uma situação já me faz mais feliz ao abrir os olhos ao acordar…
Depois de ver o Por do Sol, que foi muito bonito, tínhamos que andar a procura de um lugar pra armar a barraca, voltamos a uma pequena estrada e começamos a caminhar novamente.
Logo vimos umas ruínas de uma antiga fortaleza. Paramos pra dar uma olhada, já não sobrava muita coisa, mas o lugar era muito bonito, ela ficava sobre uma grande falésia, dali podíamos ver lá em baixo uma pequena praia com uns “trailers” estacionados, ficamos tranqüilos, pois era só continuar naquela estrada que chegaríamos ali por mais um tempo curtindo o lugar...
Quando voltamos pra estrada já estava completamente escuro, ainda mais por não haver qualquer sinal da lua pra clarear um pouco aquela escuridão. A gente não imaginava que a bendita estrada dava uma volta monstro, só conseguimos chegar na área em que os "trailers" estavam mais de uma hora depois.
Estávamos muito cansados, só me preocupava em montar a barraca, comer algo e dormir. Escolhemos em cantinho, montamos a barraca, quando terminei, vi o Luiz e pro Rafael e os dois estavam olhando pro céu, quando olhei, não precisa nem dizer o que disse…era o céu mais estrelado que já tinha visto. Foi incrível, era nossa primeira noite, apenas com um dia de viagem já tínhamos visto muita coisa, ficamos conversando um pouco, enquanto comíamos nas areias daquela pequena praia, cercada por falésias que de noite pareciam grandes cortinas negras.
Na manha seguinte, no segundo dia de viagem, nem pensamos em pegar a estrada. Depois de guardar tudo botamos as mochilas nas costas e voltamos a subir as falésias.
Neste dia, durante o banho diário, fomos tirar uma foto. Eu resolvi subir numa pedra pra fazer uma graça, graça bem feita… estava descalço e por isto ganhei um belo corte na sola do pé, fiquei preocupado, um corte no pé no segundo dia de viagem.
Fiz um curativo, coloquei muito algodão entre o curativo e minha bota numa tentativa de não incomodasse muito na hora de pisar. Infelizmente o plano não deu certo, decidimos voltar a estrada e tentar ir pra alguma cidade comprar mais coisas pra fazer um curativo melhor.
Aquele corte me desanimou, mas aí eu me lembrei de um grande amigo, que em uma viagem teve uns problemas parecidos, mas que conseguiu ir até seu objetivo final, Jeriquaquara…valeu Wally!!!!
Pegamos um ônibus até Sagres. Lá pude fazer um bom curativo, o que minimizou meu problemas pra caminhar e assim pudemos seguir nossa viagem.
Neste dia chegamos aos portões da Fortaleza de Sagres, que ela é linda, muito grande e como já disse muito imponente. Ela foi construída na ponta de um cabo muito alto, por isto ela só foi fortificada na sua entrada, pois melhor proteção que aqueles grandes penhascos, com ondas violentíssimas batendo sobre eles acho que não há.
A entrada na fortaleza custava 2,5 euros, pra estudantes 1,25. Uma fortuna pra alguns brasileiros dispostos a não gastar nada na sua aventura. Foi uma grande discussão a respeito de nossa entrada ali ou não...
Resolvemos que íamos abrir nossos cofres, pois ficamos com medo de chegar no Porto, onde 1,25 euro não é tanta coisa assim e ouvir de alguém que a fortaleza era muito bonita e coisa e tal... no final das contas chegamos a conclusão que o dinheiro foi muito bem gasto. O interior a fortaleza é fantástico.
De lá víamos muito bem o Cabo de São Vicente, nosso próximo objetivo e o caminho até ele, todo recortado, com um mar violentíssimo se chocando nas encostas. Dava pra ver muito longe, pois a fortaleza foi construída muito acima do mar. Por isto, a gente também podia ver vários lugares por onde já tínhamos passado, entre eles a falésia que dormimos durante a tarde do dia anterior pra esperar pelo por do sol.
Depois de sair dali, fomos caminhando mais 6Km para o cabo de São Vicente, o caminho para ele é mais bonito que o próprio cabo, mas ali foi especial, pude chegar “mais perto de casa”. O Cabo de São Vicente é o lugar da Europa mais próximo ao Brasil.
Mas tivemos um pequeno problema, a estrada acabava ali e pra sair de lá só voltando os 6Km, mas como gostaríamos de dormir mais pra frente, pra não gastar tempo no dia seguinte passando por lugares já visitados, porém, como estávamos muito cansados, decidimos que iríamos pegar uma carona. Penamos pra conseguir uma, tivemos a ajoelhar no meio da estrada, implorar, rezar, fazer o impossível pra cativar os turistas que estavam lá pra nos dar uma caroninha de volta pra cidade. Aquele lugar é um ponto mais turístico-comercial e pegar uma carona num local como este as vezes é bastante complicado.
Um tempão depois conseguimos uma, com um casal inglês, que nos levou até Vila do Bispo. Dali, fomos procurar um lugar pra dormir e acabamos sendo levados por um australiano maluco pra um lugar que ficava na beira de uma pequena estrada, em uma daquelas saídas para lanchar e fazer piquenique bem no meio de um bosque, com alguns balanços e escorregadores para as crianças…
Se não tivesse tão cansado e ainda com as imagens e experiências que aquele dia tinha me proporcionado na cabeça, se é que elas vão algum dia sair de lá, daria pra se borrar de medo… imaginem um bosque, com as árvores todas secas (aqui é inverno), completamente deserto, iluminado apenas por uma vela, que iluminava apenas parcialmente aquelas árvores e brinquedos e que ainda fazia sombras que tremulavam de acordo com a sua chama, daria pra ter se sentido no filme da Bruxa de Blair…
Agora, a dormida mais louca de todas foi no terceiro dia, aquele que foi o dia “mais tranquilo” da viagem. Tínhamos passado por lugares muito bonitos, a trilha tinha sido muito fácil, apesar de longa. Resolvemos dormir sobre as falésias. Nosso único problema foi encontrar um lugar bom pra armar a barraca, pois o lugar era muito rochoso, por isto encontrar um lugar plano e o menos desconfortável possível foi bem difícil… eu não entendo muito de geologia, ou de geografia, ou sei lá o que, mas aquelas falésias parecem antigos recifes de coral pela sua formação e tipo de rochas. Em muitas destas rochas há conchas e pedaços de espécies marinhas incrustadas, muitas, também se esfarelam quando pisadas, como os corais marinhos… é muito interessante… e se o Sertão do Nordeste já foi mar, por que a Costa Vicentina não pode ter sido?
Quando encontramos um lugar “apropriado” paramos pra ver o Por do Sol. Só depois iríamos armar a barraca. É proibido acampar no parque, por isto tínhamos que ser o mais discreto possível… o Por do Sol daquele dia foi espetacular, deu pra ver o Sol até sua última porção se deitar no mar, nunca tinha visto aquilo, ele ir se afundando devagarinho até sumir por completo, pois geralmente há algumas nuvens no horizonte que impedem esta visão.
Agora imaginem este Por do Sol visto de cima de uma grande escarpa, num lugar completamente deserto, com penhascos que se entendem até onde vai a vista… sinto muito, mas não tenho mais palavras…
Durante um período de viagem como este é sempre normal, mesmo quando estamos da presença de bons amigos, acontecerem momentos de tensão e alguns desentendimentos.
No quarto dia de viagem, o Moku já parecia estar bem cansado daquilo tudo. Tanto que ele mesmo veio a reconhecer um tempo depois, que mesmo adorando a viagem ela foi um pouco longa pra ele. Bem, por estar cansado daquela loucura, ele começou a não curtir mais algumas das coisas que aconteciam e o pior começava a reclamar bastante... por isto ele tinha se decidido a ir embora neste mesmo dia, e como não ia precisar guardar sua comida pro dia seguinte de viagem, pois já estaria perto de qualquer lugar onde se pudesse comer civilizadamente, comeu tudo o que tinha no café da manha...
Mas ele não contava que naquele dia não íamos passar nem perto da estrada nacional e nem por algum vilarejo onde pudesse tomar um ônibus ou carona pra mais perto de casa. Ou seja, ele foi "obrigado" a ficar mais um dia... com um detalhe, sem comida.
No meio da tarde, depois de muito andar, paramos pra comer algo. Eu e o Luiz pegamos nossa comida, sempre racionada pra não faltar, e começamos a comer. Eu tinha alguns pedaços de doce de leite, pão alentejano, mel, água...
Sendo bem sincero, naquele momento estava cansado de ouvir o Moku reclamar da viagem e por isto resolvi que não ia colaborar muito pra que ele tivesse uma boa refeição, se é que isto era possível. E ainda me lembrava daquela manha, quando ele comia tudo que tinha enquanto dizia que ia embora, que ia poder tomar banho, comer no McDonald´s... como eu estava adorando minha viagem, ouvir alguém, por mais amigo meu que fosse, falar mal dela me irritava muito... por isto como já falei, não quis contribuir com uma boa refeição e dei apenas alguns pedaços de doce de leite.
O Luiz percebeu o que eu sentia, resolveu ajudar a acabar com aquilo e falou: "Tome Moku, coma aqui um pedaço de meu pão com um pouco de mel do Felipe". Depois disto eu pensei melhor e vi que o Luiz estava certo.
Enquanto eu deliciava meu pão alentejano com mel, o Moku pegou um pouco do mel e colocou no pedaço de pão que o Luiz tinha dado... logo depois quando já estava tudo bem, eis que ouço alguém dizer: "Eita pão duro... puta mel doce!" Olhei pro Luiz e nesta hora tivemos a mesma vontade de pegar de volta a comida que tínhamos dado ao Moku...
No final deste dia depois de andar muito chegamos a uma pequena vila chamada Arrifana, resolvemos que iríamos jantar, a moda civilizada, mas não sem antes passar por todos os restaurantes dali, coisa que não foi difícil, e procurar o prato mais barato... achamos um omelete com batatas fritas, num restaurantezinho bem fuleiro, com uma tia que era a “garçonete”, cozinheira, caixa e tudo mais. Ela tinha o maior bigode que eu já vi... devoramos aquele prato, ele “parecia” estar maravilhoso...
Depois de comer, voltamos pra estrada pra procurar onde dormir, subitamente parou um carro e nos ofereceu carona, até assustamos, pois aqui em Portugal, alguém parar e oferecer “boléia” é meio raro... era um espanhol, que disse que quando mais novo viajou muito “a dedo” e como nos viu de mochilas nas costas supôs que estávamos procurando um lugar pra dormir...
Ele nos levou até um camping, resolvemos que naquela noite iríamos pagar pra dormir, aí aproveitávamos pra tomar um belo banho quente. No caminho dissemos qual era nosso roteiro (norte acompanhando o mar) e ele nos aconselhou a chegar a um rio perto de onde estávamos com maré baixa pra poder atravessar, pois se chegássemos com a maré cheia era impossível de passar por ele, e assim teríamos que dar uma volta de 16Km pra chegar no outro lado do rio... mas infelizmente ele não sabia dizer a que horas a maré baixava, resolvi perguntar mais tarde pra um senhor português no bar do camping...
Aqui em Portugal, acho que pelas suas dimensões, a noção de distância que as pessoas possuem é muito diferente da nossa, no Brasil, por isto quando se houve: “isto não dá pra fazer, é muito longe”, “ihhh, tu só chegaras lá amanha se for andando”, pode ficar tranqüilo, que em quinze minutos de caminhada você chega onde quer... a noção de dificuldade também é bastante diferente, no geral parece que eles são bem exagerados... tudo é muito difícil e complexo...
Bem, fui perguntar ao dono do bar e depois dele responder quando a maré baixava, ele me disse: “dá pra passar com a maré baixa...dá...mas não é com água por aqui (apontando o joelho), é com água por aqui (apontando o pescoço) e as vezes...POR AQUI!!!!! (apontando sobre a cabeça)”.
Resolvemos que no dia seguinte iríamos dar a volta, pois atravessar a nado com as grandes mochilas poderia ser um problema e ainda porque tínhamos carona até a estrada nacional, o que nos “poupava” 8Km. Depois voltamos andando mais oito. Nesta altura, o Rafael já tinha seguido para o Porto. Durante a volta, acompanhávamos o rio e ele não nos parecia muito ameaçador. Quando chegamos à praia, caminhamos até a foz, ela não devia ter mais de dez metros de largura, o Luiz resolveu dar uma “nadada”, eu preferi não entrar, ele ficou andando de uma margem a outra com a água pelos joelhos, a gente lembrando dos 8Km nas costas e do velho português: “É POR AQUI!!!!!!”
Nesta viagem, acabamos por pegar mais caronas do que eu imaginava, duas delas foram bem interessantes, em uma eu e o Luiz (o Rafael tinha voltado pro Porto) tínhamos caminhado até onde dava, mas uma hora fomos obrigados a voltar, pois havia um grande penhasco e não era mais possível continuar a caminhar pelas falésias, retornamos um pouco e pegamos uma pequena estrada, sentido a estrada nacional, que deveria como sempre estar a uns 6Km. Logo paramos pra comer e descansar um pouco, estávamos deliciando cada um o seu pão alentejano, com um queijo curtido, mais curtido ainda por andar tomando Sol todo o dia dentro da mochila, quando pensei ter ouvido o barulho de um carro.
Falei ao Luiz: “um carro”, ele disse que era o vento batendo nas árvores, logo depois o barulho aumentou e eu disse: “é um carro”, fui juntando meu “almoço” e corri pro meio da estrada, o carro apontou e eu comecei a implorar uma carona, era um “trailer”. Nisto o Luiz, foi juntando suas coisas, pra vir pra estrada também.
O carro parou, era um casal de velhinhos, a mulher falou umas coisas que não compreendi e depois fez um sinal de negativo, me ajoelhei implorando a carona enquanto o Luiz chegou com seu pão na mão. A senhora percebeu que não a compreendíamos e falou em inglês, dizendo que não poderiam nos dar carona, pois só tinham autorização para duas pessoas no “trailer” e se fossem pegos com mais de duas pessoas seriam multados.
As súplicas foram eficientes e eles nos deram uma carona até a estrada nacional, eles eram holandeses, por isto não tinha entendido nada do que ela tinha dito, e viviam na França. Antes de sairmos do carro, ficamos conversando um bom tempo com eles, trocando informações, nós falando um pouco de nossa viagem e eles um pouco da deles, trocamos informações sobre o lugar, demos alguma dicas e pegamos outras...foi muito bom.
Quando descemos, em uma pequena vila que não me lembro o nome, terminamos o almoço e voltamos pra estrada pra tentar pegar outra carona e subir mais pro norte, pois queríamos voltar pra casa no dia seguinte…
Uma família suíça nos ofereceu carona, eles saíram de seu país, passaram pelo sul da França, Espanha e Portugal. Era a mãe, um casal de filhos adolescentes e a namorada do filho. O carro parecia um chiqueiro ambulante, estava imundo, era lixo pra todo lado. Eles também não estavam muito diferentes, acho que deviam ter tomado menos banho do que a gente naqueles dias, mas foi muito divertido, pois eles, como nós, estavam procurando um lugar pra dormir.
Assim, fomos subindo com eles até onde iam, fomos parar depois, de muitas voltas, num camping em Zambujeira, uma pequena vila, já no Alentejo, mas como neste bendito camping o banho custava dinheiro, resolvemos que mais um dia sem nos lavar não faria muita diferença.
Lá, eu e o Luiz fomos jantar num pequeno restaurante e já começamos a ter saudade de nossa Aventura, relembrar daqueles dias que passaram, daquela viagem que começou sem nada planejado, com muita vontade e um pouco de coragem, que acabou nos proporcionando muitas histórias, algumas delas contadas aqui e muitas experiências inesquecíveis que vamos levar pra sempre conosco... a gente estava feliz pra caramba, ríamos de tudo, principalmente das coisas que tinham dado errado, dos desentendimentos, do pão duro e do mel doce... estávamos completamente incorporados pela loucura daquela viagem, que de tão louca, foi acabar acompanhada de uma família de suíços sujos em ZAMBUJEIRA…alguém já viu nome de cidade mais louca do que este?


Durante esta viagem, ocorreu algo que nuca tinha me acontecido, pelo menos com a grande freqüência que com que acontecia... todas as vezes que tentávamos pedir carona, éramos zoados por muitos motoristas e acompanhantes, tiraram muito sarro da gente... dado a quantidade de vezes que aconteceu dava até pra perder a paciência, mas todas as vezes que acontecia tal fato, eu ficava, na verdade, com pena de quem o fazia, pois, só pode tirar sarro de um caronista, quem não sabe o que é viajar de carona...
Viajar de carona não é uma necessidade e sim uma opção... que confesso ser um pouco perigosa, mas só quem já viajou desta maneira sabe que tipo de vivência esta experiência nos proporciona.

Aventura Transmontana


Porto, 23 de fevereiro de 2002, com muita vontade de voltar ao Brasil

Não sei se já aconteceu com algum de vocês, mas eu sempre tive a vontade de botar uma mochila nas costas e sair pra viajar, meio que sem rumo, sem compromisso, sozinho, pra fazer apenas o que se tem vontade.... pois bem, nesta terça feira aproveitando que estou aqui em Portugal, num país que fala a minha língua, ou melhor, que eu falo a língua deles, resolvi botar minha mochila nas costas, tomar um ônibus e ir... Fui à Trás os Montes, região portuguesa das mais pobres, mas também das mais bonitas. Ela ganhou este nome por ficar, para quem vem do litoral, atrás de uma serra, ou seja, ela fica atrás dos montes. Esta região é bastante montanhosa, lembra um pouco o interior de Minas Gerais, mas com vilazinhas ainda mais perdidas e pequenas. Chegar a Trás os Montes é como chegar ao passado...
Minha primeira parada foi em Bragança, cidade da Família Real Portuguesa na época do império. Mas nem fiquei muito tempo lá, queria mesmo era passar a noite numa pequena aldeia próxima à fronteira com a Espanha.
Como o único ônibus que ia a direção a esta vila só saía as 6h da tarde (era ainda meio dia) e que o tal ônibus passava numa outra vila a aproximadamente 20 km de onde eu estava indo eu resolvi tentar pegar carona... no começo eu tive um pouco de receio, afinal seria minha primeira carona num outro continente. Até hesitei um pouco em começar a pedir, apenas olhava os carros passando e continuava andando... até que apontou um jipe com um senhor dentro. Ai eu pensei: “é esse!” Dito e feito, o tiozinho me levou até onde o ônibus levaria. Ele era angolano, uma verdadeira figura, falava pra caramba. Me perguntou muito sobre as brasileiras... falou mal das portuguesas... ele tinha saudade das africanas.
Ao chegar nesta vila, peguei a estrada que ia pra Moimenta (a aldeia onde queria passar a noite), comecei a andar, andei por quase uma hora. Nesta altura, pedir carona em Portugal já era a coisa mais normal do mundo, mas pela aquela estrada não passava quase nenhum carro e os que passavam não paravam. Até que veio outro jipe, de novo com um tiozinho dentro, mas este parecia com aqueles portugueses estilizados, com boina, paletó xadrez, grandes costeletas, só faltou mesmo o bigode... ele me deu carona até a vila, pois ele era de lá. Foi muito legal, no caminho ele foi me contando um monte de historia sobre o local, por vezes saiu da estrada pra me mostrar alguns mirantes com vistas bonitas. O senhor era boa gente, ele só não conseguiu entender o que eu queria fazer sozinho naquela pequena aldeia (as cidades pequenas aqui em Portugal são chamadas de aldeias). Chegando perto de Moimenta ele me disse: “se por acaso tu não conseguires lugar para dormir, podes bater lá em casa”. Infelizmente a senhora que ele mesmo me indicou tinha quartos livres, ou melhor, tinha todos os quartos livres, afinal não haveria outro maluco a viajar por aquelas bandas nos gelados dias de inverno transmontano. Minha dormida seria numa casinha de pedra, pequenina e muito fria. Em toda a minha vida eu nunca tinha dormido com tantos cobertores, no total foram seis.
Eu pretendia ficar dois dias ali, pra conhecer o Parque Natural de Montezinhos, mas como neste primeiro dia não tinha visto nada de muito especial resolvi, no meio de uma caminhada, ir embora no dia seguinte. Durante esta caminhada me sentei numa pedra, dali eu tinha uma bela vista da aldeia, com suas ruas, casas, muros todos de pedra. É de se espantar como ainda hoje podemos encontrar lugares tão perdidos como aquele. Naquele momento o tempo pra mim parecia ter parado. Acho que esta era a magia do lugar... fazer o tempo parar. Mas como não queria permanecer parado no tempo, a decisão de sair dali logo cedo no dia seguinte foi acertada.
Antes de dormir, fui assistir a um jogo em um boteco, ou melhor, uma tasca, a única do lugar. Foi muito engraçado, pois acho que era uma das poucas TV de Moimenta, já que estava lotado de velhinhos e alguns garotos. Eu pude perceber que não há pessoas da minha idade nestes locais. Atualmente todas elas saem das aldeias, vão pra cidade pra estudar ou pra trabalhar... Só sobram mesmo os velhinhos ou as crianças que provavelmente só estão esperando pra também sair.
No dia seguinte peguei carona com o ônibus escolar até uma vila “mais pra frente”, a mesma onde a primeira carona tinha me deixado no dia anterior. Dizem por ali que a igreja mais antiga da Península Ibérica está lá. Eu a visitei... parece muito velhinha mesmo, agora, se realmente é a mais antiga de todas eu já não sei.
Durante o trajeto de ônibus entre Moimenta e Vinhais (a vila mais pra frente), eu vi algumas coisas interessantes. Primeiro por ser um “ser estranho” sentado ali no meio daqueles estudantes. A todo o momento podia ver muitos cochichos e olhares curiosos em minha direção... Outra coisa que me chamou atenção aconteceu quando vi uma garota, que deveria ter uns 15 anos, aguardar, com um par de brincos de argola nas mãos, o ônibus sair de Moimenta para somente depois os colocá-los, como se o ato de colocar brincos de argola fosse proibido no lugar. Isto pra mim foi mais uma prova de que o tempo por ali tinha parado há “alguns” anos...
Fui de ônibus também até Bragança, passei toda a manha lá, conheci a fortaleza, o Castelo da família real, tudo muito bonito. Uma característica muito boa destes lugares é que como são muito pequenos, conhece-se tudo muito rapidamente, mesmo estando a pé. Neste mesmo dia fui a Miranda do Douro, uma pequena cidade que fica a beira do Rio do Douro. Quando eu digo a beira, significa a beira mesmo! Nesta altura este rio corre entre penhascos muito altos. Eu não sei dizer qual a altura, mas eles são muito grandes e bonitos. Foi a primeira vez que vi algo daquele tipo. É lindo! De um lado do rio é Portugal e do outro Espanha. Neste dia eu fiquei num hotel com a vista pro rio... No dia seguinte, eu queria ir até uma barragem, uma pequena hidroelétrica que fica a uns 25km de onde estava...
Resolvi fazer o percurso a pé, sai da cidade as 9:15h da manha, um pouco furioso é verdade com a qualidade dos serviços prestados no ponto de informações turísticas do local, onde só tive uma resposta para todas as minhas perguntas: “Isto eu não sei lhe dizer, opá!”. Mas sem problemas, peguei a estrada que desce o rio e fui-me embora. De muitos lugares da estrada é possível se ver os penhascos, mas não o rio, pois ele está lá em baixo... foi muito engraçado, pois em todas as aldeias que passava todos os velhinhos e velhinhas ficavam me olhando. Acho que não é muito normal um maluco andar de mochila nas costas por ali... quando já estava a quase duas horas andando, resolvi sair da estrada e chegar perto do rio.... foi impressionante! Eu caminhava por uns campos com mato até o joelho mais ou menos. Estes campos iam descendo um pouco em direção ao rio, no meio desta descida alguns muros todos de pedra. Fui andando e pulando estes muros até uma hora que vi uma grande pedra. Andei até ela e subi. Ao subir era possível ter uma vista fabulosa, das mais belas de todas as que já tive, e olha que já fui a lugares bem bonitos. Era um penhasco muito alto. Em um canto do meu horizonte eu via Miranda do Douro, bem pequenininha. Eu podia ver todo o percurso do rio recortando os penhascos até ali. Do outro lado o rio continuava seu caminho e bem ao fundo. Seguindo o rio, já do lado espanhol, eu avistava uma pequena igrejinha, mansinha sobre um dos grandes paredões.
Dali, eu ainda podia descer um pouco mais em direção a duas pedras. Deitei-me sobre uma delas e rastejei em direção a sua ponta, quando eu pude olhar pra baixo foi incrível! Não havia nada, somente o rio bem longe... essas duas pedras apontavam pra dentro do desfiladeiro. De tão maravilhado que estava, não fiquei nem com medo.... fiquei um tempão ali, vendo alguns pássaros que voavam a baixo de mim, ouvindo um ruído que o vento fazia, que parecia um “urro” bem baixo e constante.... nesta hora fiquei triste por estar só, por não ter ninguém pra compartilhar aquilo comigo, pensei em todas as pessoas que conheço, principalmente nas mais próximas... aquele lugar ficou marcado pra mim, na minha cabeça é o meu lugar. Ele foi descoberto por mim na terra dos descobridores.
Depois de algum tempo voltei pra estrada, me coloquei a caminhar novamente. Andei por mais um tempo. Como estava muito cansado, resolvi que se passasse um carro pediria carona. Uma mulher me ofereceu uma carona, que foi bem curta. Devo ter avançado uns 2 ou 3Km. Ao descer do carro vi uma placa: “BARRAGEM DE PICOTE 10 Km” (era o lugar onde queria visitar). Já era quase uma da tarde, estava cansado, a mochila parecia pesar uns 50 Kg. Voltei a caminhar, afinal se eu ficasse parado ali não veria barragem alguma e passar um segundo carro na sequência por aquela estrada seria um milagre muito grande pra este viajante...
Em todo meu caminho haviam cabos de alta tensão paralelos a estrada, que até então estava também paralela ao rio. Uma hora eu vi que ela começou a se distanciar do rio enquanto os cabos continuaram a seguir o rio. Resolvi sair da estrada e seguir os cabos. Se ia dar certo eu não sei... mas como foi gostoso ter aquela sensação de liberdade, de poder fazer o que bem se quer, de arriscar sem ter medo de, caso alguma coisa dê errado, ouvir: onde você meteu a gente?!?!... fui andando por campos, cruzando oliveiras e parreiras (as uvas do vinho do Porto vêem dali), pulando muros de pedras, até que depois de algum tempo cheguei a uma outra estrada.
Eu já estava bem perto da barragem, tinha cortado um belo caminho. Perto da barragem a estrada começou a descer. Neste momento eu resolvi deixar a estrada e andar em direção a um ponto alto, pra bater uma foto da barragem vista de cima. Me dei muito mal, primeiro porque tive que fugir de três cachorros, com mochila nas costas depois e de ter andado por quase cinco horas. Depois de me despistar dos cachorros eu pensei: “não vou voltar por aqui”. Aí veio pior, me meti num morro cheio de arbustos secos e com espinhos que me deixaram todo arranhado. Passado algum tempo metido ali consegui chegar num lugar bem alto e avistar a barragem. No final todo o sacrifício e todos os arranhões valeram a pena. A vista é realmente muito bonita.
Desci este morro, por um outro caminho pra não me encontrar novamente com os três cachorrinhos, cheguei até a estrada e caminhei até a barragem. Cheguei lá perto das três da tarde.
A barragem foi construída num ponto muito estreito entre dois penhascos, por isto ela é maior em altura do que em comprimento. Antes dela, há um lago calmo onde pode-se ver o reflexo de toda aquela imensidão de rochedos, perecia mesmo um grande espelho, ainda mais sublinhado pelo dia claro de céu azul. Depois da barragem aquela calmaria do lago se transforma numa pequena e turbulenta linha d’água que corre perdida entre os paredões, que deste lado são, relativamente ao nível da água, muito maiores.
Depois de um tempo ali e uma lata de pêssego em caldas pra dentro da barriga comecei a voltar. Pra onde eu não sabia. Minha única meta do dia tinha sido alcançada e o que eu ia fazer depois disto não fazia parte dos meus planos. Eram três e meia da tarde, haviam 4 carros estacionados na barragem. Aqueles carros eram minha única opção de carona pra algum lugar, pois nenhum outro carro passaria pelo local (a estrada terminava na barragem). Caminhava bem devagar... o segundo carro que passou me deu uma carona. Era um carro dos correios, que me levou a uma vila no meio do caminho pra algum lugar. O detalhe foi que paramos em quase todas as casas pelo caminho, pro cara entregar as correspondências... Fui acabar este dia em Mogadouro, onde conheci mais uma fortaleza e mais um castelo, além de comer uma magnífica omelete de queijo!
Só me faltava um objetivo a cumprir nesta viagem: chegar ao Castelo de Algoso. O castelo fica numa aldeia com o mesmo nome. Este lugar é completamente fora de mão. Não há ônibus, a estrada é muito velha e nela quase não passam carros. Logo de manha comecei a andar. Tinha quase 20Km pela frente e o dia todo pra chegar lá. Por sorte logo peguei uma carona, que me deixou a uns 3Km do castelo. A primeira vista do castelo já impressionou. Ele estava lá, pequenino bem no alto daquele morro de pedras. Só era possível ver seu contorno naquele céu azul. O castelo foi construído sobre o morro mais alto da região, que fica a 500m de altura sobre um rio que corre num vale logo abaixo.
Depois de subir este morro e chegar ao castelo encontrei um senhor muito velho que andava apoiado numa bengala. Fiquei um tempo conversando com ele. Ele me disse que sempre subia ali pra passar o tempo, apreciar a paisagem. O tempo ali voltou a parar. Ele saiu e fiquei sozinho no castelo. Andei por suas ruínas, imaginei guerras e realmente apreciei a paisagem... ao ir embora, já fora do castelo, avistei o senhor num outro ponto do morro. Ele se virou pra mim e com um grande sorriso naquele rosto bem velho me acenou com um dos braços... eu retribui o gesto e também o sorriso.
Voltei a caminhar extremamente realizado com minha viagem, que pra mim terminou ali...


De resto foi pegar outra carona, mais um ônibus e voltar ao Porto todo sujo, alguns quilos mais magro, mas, sobretudo, muito contente! Abraços a todos e muito obrigado a quem contribuiu de alguma forma para que eu pudesse fazer esta viagem.