Nesta vida não tenho muitas conquistas materiais, porém as histórias são diversas. Quem eu seria sem minhas histórias? Não seria eu.

domingo, 9 de março de 2008

Aventura Vicentina




Porto, março de 2003

Quando planejei esta viagem, tinha em mente que ela seria um bocado rústica, sem qualquer luxo ou frescuras, pois estávamos indo pra uma região bem deserta. Éramos três pessoas: eu, o Luiz e o Rafael (Moku-moku).
Eu sempre gostei de fazer este tipo de aventura e há algum tempo estava planejando alguma coisa pro Carnaval, pois passar este grande feriado festivo, que sempre trás grandes lembranças pra maioria dos brasileiros, debaixo da chuva de inverno no Porto seria a maior das torturas.
Eu tinha resolvido fazer uma viagem pra algum lugar que não seria possível perceber que era carnaval. Na primeira vez que comentei com o Luiz sobre os planos pra viagem ele se empolgou logo de cara. Afinal se pra mim que passo o carnaval em São Paulo ficar ali seria uma tortura, eu não posso imaginar o tamanho do sofrimento que seria alguém que passa os carnavais em Olinda, Pernambuco. Acabamos combinando em fazer a aventura juntos.
Apenas alguns dias antes de partir descobrimos que o Moku não ia fazer nada. Resolvemos que seria melhor a gente ter algumas dificuldades a mais pra pegar alguma carona, ou ter que se apertar pra dormir na minha barraca do que a deixar outro amigo pernambucano sozinho debaixo daquela chuva.
Nós três iríamos perambular por um parque florestal, costeando o mar. Este parque, por ser bem selvagem, tinha poucas estradas. Por isto não tínhamos a opção de pegar uma carona e ir até qualquer lugar mais ou menos civilizado, onde poderíamos encontrar um lugar pra dormir ou um restaurante qualquer pra comer alguma coisa, ainda mais estando em três marmanjos. Além de que, não pretendíamos gastar quase nada de dinheiro, pois o pouco que levamos seria apenas utilizado pro essencial, ou seja, comer!
Por isto, sempre, ou quase sempre, tínhamos dentro das mochilas algo pra comer, água e minha humilde barraquinha, que acabou sendo nossa morada por toda a viagem. Sabíamos também de antemão que qualquer canto seria um bom lugar pra armar a barraca e passar a noite.
Mas pra ser bastante sincero, não achei que seria tão rústica como foi, que chegaria a passar seis dias com apenas um banho com água doce e sabonete, que usaria apenas duas vezes um banheiro neste período, não pensei que fosse camelar tanto quanto eu camelei…
Caminhávamos o dia todo, quase sempre sobre as falésias. Neste lugar parece que o litoral tomou um elevador e subiu alguns andares. É muito interessante. As cidades, os vilarejos e o próprio parque ficam quase sempre a muitos metros de altura do nível do mar. Entre eles existem sempre grandes falésias (penhascos)
No começo da viagem elas eram mais para arenosas, com diferentes tonalidades de areia. Em uma das praias que passamos, era possível ver muitas tonalidades e cores expostas em sua encosta, me desculpem os cearenses que conheço, mas as areias de Morro Branco, famosas por suas areias multi-coloridas ficaram sem graça depois que vi as areias da Praia da Luz…
Na maior parte da viagem as falésias eram formadas por imensos rochedos, pra mim as formadas pelas rochas eram as mais bonitas, me pareciam mais imponentes, também porque eram quase sempre bem maiores.
Outra coisa que me surpreendeu, foi que fiquei com a sensação de que o produto ficou melhor do que a encomenda, a viagem saiu bem melhor que esperava, conheci lugares fantásticos que são até difíceis de descrever, lembro-me de outras viagens que fiz, nas quais os lugares espetaculares, a gente só via por algum tempo, pois tinha o caminho pra se chegar até eles, a volta, estas coisas.
Nesta viagem, o tempo todo ficávamos maravilhados com o que víamos. A “trilha” que seguíamos era sempre rodeada por lugares maravilhosos, sempre lá em baixo tinha o mar, com suas grandes ondas se chocando com aqueles rochedos imensos numa violência muito grande. Nós ali de cima, tínhamos uma vista fabulosa, olhando para frente era possível ver no horizonte a união das falésias com o mar.
Olhar para aquele ponto nos motivava bastante, pois tínhamos sempre a vontade de alcança-lo e ver o que ele nos reservava… quando olhávamos pra traz, era possível ver o mesmo encontro, só que destas vezes olhávamos com saudade, pois aquele lugar tinha nos proporcionado sentimentos incríveis, provocados pela sua beleza, pela dificuldade que tinha sido chegar até ali e pelo fato de estarmos um lugar incrivelmente bonito e que parecia nosso. Muitas vezes estávamos isolados de qualquer contato com pessoas… éramos só nós, as mochilas, o lugar e Deus.
A palavra que mais ouvimos uns dos outros durante estes dias foi caralho!!!! O tempo todo, enquanto andávamos, ouvia-se de um de nós dizer: CAAARAALLLHHHOOO!!! Quando olhávamos era um com cara de bobo, com a máquina fotográfica em punho pronto pra bater uma foto, ou então, estava lá um sentado na beira do precipício, com cara de perdido sem saber pra onde olhar. Quantas vezes eu não me peguei sentado desta maneira, com as pernas balançando em direção à água. Parecia que tudo parava, que o momento era só meu...
O nosso roteiro é meio obscuro, pois só sabíamos que íamos andando beirando o mar rumo norte (a princípio sentido oeste até o Cabo de São Vicente), olhávamos no mapa e as vezes conseguíamos encontrar, ou melhor, supúnhamos encontrar onde estávamos, fazer os prováveis caminhos por onde estávamos passando, prováveis roteiros e metas para o dia. Bem como, “foi possível” elaborar o roteiro final da viagem… que pelo menos pra mim tem poucas certezas, entre elas que tudo acabou-se em ZAMBUJEIRA!!!!!!!
Saímos do Porto na sexta feira de carnaval. O Luiz, tinha passado no meu quarto, na residência onde vivemos. Estava acabando de colocar tudo na mala. Em seguida fomos encontrar o Moku, na casa dele. Quando estávamos os três a caminho da rodoviária naquela noite gelada, a "maldita" garoa resolveu virar chuva. Terminamos o caminho correndo, xingando muito o clima daquela cidade e felizes por estar saído de lá no carnaval.
A primeira parada foi em Lagos, ultima cidade sentido leste-oeste, do Algarve frenético e alucinante do verão português. A partir dali, começa a parte mais deserta e selvagem, por onde se estendeu nossa aventura. Passamos por várias pequenas cidades, como Luz, Vila do Bispo, Salema, Sagres, cidade onde ficava a famosa escola de navegação de portuguesa, que possui uma bela fortaleza. Passamos também por cabo de São Vicente, ponto português mais próximo do Brasil, Carrapateira, entre outras pequenas vilas e fomos acabar a Aventura em Zambujeira.
Durante estas andanças todas fiz coisas que já não fazia a muito tempo. No primeiro dia de viagem, enquanto caminhávamos para Luz e ainda estávamos em meio à civilização, “roubamos” muitas frutas no caminho, havia muitas árvores frutíferas nos quintais das casas e pegávamos aquelas que ficavam mais perto da calçada. Comi laranjas, ameixas e amêndoas que pra mim, diferentemente das outras frutas, é melhor comer das compradas mesmo, pois, não sei porquê, algumas que não tinham nada de diferente, eram muito amargas e depois de comer uma daquelas a boca ficava com um gosto horrível. Mas fazer o que? Escolhemos arriscar mesmo, afinal tínhamos comida de graça e amêndoas amargas também enchem a barriga...
Durante as andanças deu pra se aventurar bastante, estávamos seguros de que era impossível se perder, pois tínhamos o mar sempre a esquerda e qualquer problema, andando aproximadamente 6km, chegávamos a estrada nacional. Também tínhamos onde dormir, minha humilde barraquinha, por isto, mesmo quando não tinha trilha e quando o caminho não era muito difícil ou muito perigoso, seguíamos em frente.
Tivemos que escalar algumas falésias, com as mochilas nas costas, algumas bem altas, uma vez pra tomar o banho diário, eu e o Luiz descemos por uma delas que tinha uns trinta metros, que pela sua disposição formava uma espécie de escada, com suas fendas e relevo. Na descida passamos por uma pequena gruta, que ia até o outro lado dela, era muito bonita, lá em baixo havia uns poços formados pela água das ondas, foi o banho mais louco que já tomei e no lugar mais bonito de todos…
Em uma outra parte do caminho, onde a trilha dava uma imensa volta, um pouco distante do mar, e que havia uma praia relativamente grande, resolvemos tentar descer até ela e seguir andando um pouco pela areia. Na descida, aconteceu uma coisa que a muito não passava, tive medo...amarelei.
Estava na frente do grupo e íamos por um caminho que descia por um dos penhascos, ele era estreito, olhando pra baixo era possível ver as ondas batendo nas pedras, já tínhamos descido bastante e devíamos estar a uns dez ou quinze metros do mar, foi aí que o caminho ficou muito estreito. Sua largura era menor que o comprimento do meu pé. Aquela face da falésia ainda não tinha tomado Sol, por isto ainda estava úmida do orvalho e assim ficava muito escorregadia. Quando pisei ali não senti firmeza na pegada, olhei pra baixo e vi as “ondinhas” quebrando... amarelei, olhei pra trás e disse ao Luiz: “Mais nem fudendo que eu vou por aqui!!!!” . Ele agradeceu, pois disse que também não ia e se eu passasse ele não ia saber o que fazer…
Por causa disto tivemos que pegar várias pirambeiras. Eram subidas e descidas que não acabava mais. Entre as falésias havia uns vales, era por isto que a trilha passava muito longe do mar, pra fugir destas subidas e descidas. Sempre que descíamos tínhamos a esperança de que aquele vale ia chegar à praia, mas só conseguimos isto na quarta descida e mesmo assim, tivemos que brincar um pouco de alpinistas…
Numa destas "brincadeiras" quase ocorreu uma tragédia. Antes de sair do Porto, quando encontramos o Moku e eu vi que ele estava com uma mochila de uma alça só eu fiquei meio preocupado, pois achei que ele não ia suportar carregar todas as tralhas durante tanto tempo com uma mala como aquela. Ele disse que sim, pois estava acostumado.
Pois bem, a gente estava num lugar dos mais bonitos da viagem, era um pequeno vale entre as falésias. A parte mais baixa deste vale não chegava muito perto da água, mas a descida e a posterior subida eram puxadas. Quando cheguei ali, eu pedi pra ir à frente pra que eles tirassem uma foto pra mim quando eu estivesse do outro lado (a mesma foto que ilustra o texto). Andei uns cinco minutos à frente, mais uma vez a trilha ficava bem estreita e ela seguia subindo a face da falésia, abaixo somente as ondas se chocando.
Num ponto desta subida havia uma pedra no meio da trilha. Esta pedra tinha mais ou menos meio metro de largura e era da altura do meu peito. Pra passar eu tive que abraça-la e dar um grande passo até o outro lado onde a trilha recomeçava. Não tive problemas. Parei e os esperei logo depois dela. O Luiz também passou facilmente.
Quando o Moku foi passar, sua bolsa, que só tinha uma alça e estava posicionada do lado direito das suas costas, fez um movimento de pêndulo pra esquerda. Com isto ele foi meio que puxado pra baixo. Dava pra ver as mãos dele quase escapando da pedra. Lembro-me de olhar pro Luiz e torcer... por sorte, ou sei lá o que, ele conseguiu se agarrar bem e passar, mas meu coração veio quase na minha boca
Uma das coisas bem tristes do local, é que ele é muito mal cuidado, infelizmente Portugal não cuida do seu patrimônio. As poucas praias que existem e que possuem acesso por estrada eram cheias de garrafas de plástico, latas jogadas pela areia ou pelas pedras, restos de comida e outras coisas… ainda bem que há poucas estradas e as que existem também são mal cuidadas, o que dificulta o acesso ao local, pois só assim ele terá mais chance de permanecer por mais tempo selvagem…
Outro fator triste é que os portugueses (é claro que existem as exceções), não dão valor ao que tem, um exemplo disto é que era extremamente raro encontrar um turista português por lá. Sempre que cruzávamos alguns viajantes andando pela região eles eram bem receptivos, sempre nos cumprimentavam, a saudação era sempre no seu respectivo idioma… durante todos os dias de viagem não ouvi uma saudação em Português.
Durante o primeiro dia de andanças, chegamos ao alto de uma falésia muito grande, da qual podíamos ter uma vista espetacular da ponta de Sagres, onde ficava a fortaleza. Ela parecia bem pequenina, num contraste muito grande com seu tamanho e imponência quando vistos de mais perto. Eram quatro da tarde e resolvemos ficar ali pra ver o Por do Sol, mas como faltavam aproximadamente duas horas para ele, abrimos os sacos de dormir sobre um gramado e nos deitamos um pouco pra descansar, era muito bom abrir os olhos e ver aquele visual, o reflexo do Sol no mar, os penhascos.
Todas as vezes que abria os olhos pensava “CAAARRAAALLLHHHOO” e fechava novamente, pra poder abri-los mais uma vez e ter a mesma sensação, assim sucessivamente… acho que só uma situação já me faz mais feliz ao abrir os olhos ao acordar…
Depois de ver o Por do Sol, que foi muito bonito, tínhamos que andar a procura de um lugar pra armar a barraca, voltamos a uma pequena estrada e começamos a caminhar novamente.
Logo vimos umas ruínas de uma antiga fortaleza. Paramos pra dar uma olhada, já não sobrava muita coisa, mas o lugar era muito bonito, ela ficava sobre uma grande falésia, dali podíamos ver lá em baixo uma pequena praia com uns “trailers” estacionados, ficamos tranqüilos, pois era só continuar naquela estrada que chegaríamos ali por mais um tempo curtindo o lugar...
Quando voltamos pra estrada já estava completamente escuro, ainda mais por não haver qualquer sinal da lua pra clarear um pouco aquela escuridão. A gente não imaginava que a bendita estrada dava uma volta monstro, só conseguimos chegar na área em que os "trailers" estavam mais de uma hora depois.
Estávamos muito cansados, só me preocupava em montar a barraca, comer algo e dormir. Escolhemos em cantinho, montamos a barraca, quando terminei, vi o Luiz e pro Rafael e os dois estavam olhando pro céu, quando olhei, não precisa nem dizer o que disse…era o céu mais estrelado que já tinha visto. Foi incrível, era nossa primeira noite, apenas com um dia de viagem já tínhamos visto muita coisa, ficamos conversando um pouco, enquanto comíamos nas areias daquela pequena praia, cercada por falésias que de noite pareciam grandes cortinas negras.
Na manha seguinte, no segundo dia de viagem, nem pensamos em pegar a estrada. Depois de guardar tudo botamos as mochilas nas costas e voltamos a subir as falésias.
Neste dia, durante o banho diário, fomos tirar uma foto. Eu resolvi subir numa pedra pra fazer uma graça, graça bem feita… estava descalço e por isto ganhei um belo corte na sola do pé, fiquei preocupado, um corte no pé no segundo dia de viagem.
Fiz um curativo, coloquei muito algodão entre o curativo e minha bota numa tentativa de não incomodasse muito na hora de pisar. Infelizmente o plano não deu certo, decidimos voltar a estrada e tentar ir pra alguma cidade comprar mais coisas pra fazer um curativo melhor.
Aquele corte me desanimou, mas aí eu me lembrei de um grande amigo, que em uma viagem teve uns problemas parecidos, mas que conseguiu ir até seu objetivo final, Jeriquaquara…valeu Wally!!!!
Pegamos um ônibus até Sagres. Lá pude fazer um bom curativo, o que minimizou meu problemas pra caminhar e assim pudemos seguir nossa viagem.
Neste dia chegamos aos portões da Fortaleza de Sagres, que ela é linda, muito grande e como já disse muito imponente. Ela foi construída na ponta de um cabo muito alto, por isto ela só foi fortificada na sua entrada, pois melhor proteção que aqueles grandes penhascos, com ondas violentíssimas batendo sobre eles acho que não há.
A entrada na fortaleza custava 2,5 euros, pra estudantes 1,25. Uma fortuna pra alguns brasileiros dispostos a não gastar nada na sua aventura. Foi uma grande discussão a respeito de nossa entrada ali ou não...
Resolvemos que íamos abrir nossos cofres, pois ficamos com medo de chegar no Porto, onde 1,25 euro não é tanta coisa assim e ouvir de alguém que a fortaleza era muito bonita e coisa e tal... no final das contas chegamos a conclusão que o dinheiro foi muito bem gasto. O interior a fortaleza é fantástico.
De lá víamos muito bem o Cabo de São Vicente, nosso próximo objetivo e o caminho até ele, todo recortado, com um mar violentíssimo se chocando nas encostas. Dava pra ver muito longe, pois a fortaleza foi construída muito acima do mar. Por isto, a gente também podia ver vários lugares por onde já tínhamos passado, entre eles a falésia que dormimos durante a tarde do dia anterior pra esperar pelo por do sol.
Depois de sair dali, fomos caminhando mais 6Km para o cabo de São Vicente, o caminho para ele é mais bonito que o próprio cabo, mas ali foi especial, pude chegar “mais perto de casa”. O Cabo de São Vicente é o lugar da Europa mais próximo ao Brasil.
Mas tivemos um pequeno problema, a estrada acabava ali e pra sair de lá só voltando os 6Km, mas como gostaríamos de dormir mais pra frente, pra não gastar tempo no dia seguinte passando por lugares já visitados, porém, como estávamos muito cansados, decidimos que iríamos pegar uma carona. Penamos pra conseguir uma, tivemos a ajoelhar no meio da estrada, implorar, rezar, fazer o impossível pra cativar os turistas que estavam lá pra nos dar uma caroninha de volta pra cidade. Aquele lugar é um ponto mais turístico-comercial e pegar uma carona num local como este as vezes é bastante complicado.
Um tempão depois conseguimos uma, com um casal inglês, que nos levou até Vila do Bispo. Dali, fomos procurar um lugar pra dormir e acabamos sendo levados por um australiano maluco pra um lugar que ficava na beira de uma pequena estrada, em uma daquelas saídas para lanchar e fazer piquenique bem no meio de um bosque, com alguns balanços e escorregadores para as crianças…
Se não tivesse tão cansado e ainda com as imagens e experiências que aquele dia tinha me proporcionado na cabeça, se é que elas vão algum dia sair de lá, daria pra se borrar de medo… imaginem um bosque, com as árvores todas secas (aqui é inverno), completamente deserto, iluminado apenas por uma vela, que iluminava apenas parcialmente aquelas árvores e brinquedos e que ainda fazia sombras que tremulavam de acordo com a sua chama, daria pra ter se sentido no filme da Bruxa de Blair…
Agora, a dormida mais louca de todas foi no terceiro dia, aquele que foi o dia “mais tranquilo” da viagem. Tínhamos passado por lugares muito bonitos, a trilha tinha sido muito fácil, apesar de longa. Resolvemos dormir sobre as falésias. Nosso único problema foi encontrar um lugar bom pra armar a barraca, pois o lugar era muito rochoso, por isto encontrar um lugar plano e o menos desconfortável possível foi bem difícil… eu não entendo muito de geologia, ou de geografia, ou sei lá o que, mas aquelas falésias parecem antigos recifes de coral pela sua formação e tipo de rochas. Em muitas destas rochas há conchas e pedaços de espécies marinhas incrustadas, muitas, também se esfarelam quando pisadas, como os corais marinhos… é muito interessante… e se o Sertão do Nordeste já foi mar, por que a Costa Vicentina não pode ter sido?
Quando encontramos um lugar “apropriado” paramos pra ver o Por do Sol. Só depois iríamos armar a barraca. É proibido acampar no parque, por isto tínhamos que ser o mais discreto possível… o Por do Sol daquele dia foi espetacular, deu pra ver o Sol até sua última porção se deitar no mar, nunca tinha visto aquilo, ele ir se afundando devagarinho até sumir por completo, pois geralmente há algumas nuvens no horizonte que impedem esta visão.
Agora imaginem este Por do Sol visto de cima de uma grande escarpa, num lugar completamente deserto, com penhascos que se entendem até onde vai a vista… sinto muito, mas não tenho mais palavras…
Durante um período de viagem como este é sempre normal, mesmo quando estamos da presença de bons amigos, acontecerem momentos de tensão e alguns desentendimentos.
No quarto dia de viagem, o Moku já parecia estar bem cansado daquilo tudo. Tanto que ele mesmo veio a reconhecer um tempo depois, que mesmo adorando a viagem ela foi um pouco longa pra ele. Bem, por estar cansado daquela loucura, ele começou a não curtir mais algumas das coisas que aconteciam e o pior começava a reclamar bastante... por isto ele tinha se decidido a ir embora neste mesmo dia, e como não ia precisar guardar sua comida pro dia seguinte de viagem, pois já estaria perto de qualquer lugar onde se pudesse comer civilizadamente, comeu tudo o que tinha no café da manha...
Mas ele não contava que naquele dia não íamos passar nem perto da estrada nacional e nem por algum vilarejo onde pudesse tomar um ônibus ou carona pra mais perto de casa. Ou seja, ele foi "obrigado" a ficar mais um dia... com um detalhe, sem comida.
No meio da tarde, depois de muito andar, paramos pra comer algo. Eu e o Luiz pegamos nossa comida, sempre racionada pra não faltar, e começamos a comer. Eu tinha alguns pedaços de doce de leite, pão alentejano, mel, água...
Sendo bem sincero, naquele momento estava cansado de ouvir o Moku reclamar da viagem e por isto resolvi que não ia colaborar muito pra que ele tivesse uma boa refeição, se é que isto era possível. E ainda me lembrava daquela manha, quando ele comia tudo que tinha enquanto dizia que ia embora, que ia poder tomar banho, comer no McDonald´s... como eu estava adorando minha viagem, ouvir alguém, por mais amigo meu que fosse, falar mal dela me irritava muito... por isto como já falei, não quis contribuir com uma boa refeição e dei apenas alguns pedaços de doce de leite.
O Luiz percebeu o que eu sentia, resolveu ajudar a acabar com aquilo e falou: "Tome Moku, coma aqui um pedaço de meu pão com um pouco de mel do Felipe". Depois disto eu pensei melhor e vi que o Luiz estava certo.
Enquanto eu deliciava meu pão alentejano com mel, o Moku pegou um pouco do mel e colocou no pedaço de pão que o Luiz tinha dado... logo depois quando já estava tudo bem, eis que ouço alguém dizer: "Eita pão duro... puta mel doce!" Olhei pro Luiz e nesta hora tivemos a mesma vontade de pegar de volta a comida que tínhamos dado ao Moku...
No final deste dia depois de andar muito chegamos a uma pequena vila chamada Arrifana, resolvemos que iríamos jantar, a moda civilizada, mas não sem antes passar por todos os restaurantes dali, coisa que não foi difícil, e procurar o prato mais barato... achamos um omelete com batatas fritas, num restaurantezinho bem fuleiro, com uma tia que era a “garçonete”, cozinheira, caixa e tudo mais. Ela tinha o maior bigode que eu já vi... devoramos aquele prato, ele “parecia” estar maravilhoso...
Depois de comer, voltamos pra estrada pra procurar onde dormir, subitamente parou um carro e nos ofereceu carona, até assustamos, pois aqui em Portugal, alguém parar e oferecer “boléia” é meio raro... era um espanhol, que disse que quando mais novo viajou muito “a dedo” e como nos viu de mochilas nas costas supôs que estávamos procurando um lugar pra dormir...
Ele nos levou até um camping, resolvemos que naquela noite iríamos pagar pra dormir, aí aproveitávamos pra tomar um belo banho quente. No caminho dissemos qual era nosso roteiro (norte acompanhando o mar) e ele nos aconselhou a chegar a um rio perto de onde estávamos com maré baixa pra poder atravessar, pois se chegássemos com a maré cheia era impossível de passar por ele, e assim teríamos que dar uma volta de 16Km pra chegar no outro lado do rio... mas infelizmente ele não sabia dizer a que horas a maré baixava, resolvi perguntar mais tarde pra um senhor português no bar do camping...
Aqui em Portugal, acho que pelas suas dimensões, a noção de distância que as pessoas possuem é muito diferente da nossa, no Brasil, por isto quando se houve: “isto não dá pra fazer, é muito longe”, “ihhh, tu só chegaras lá amanha se for andando”, pode ficar tranqüilo, que em quinze minutos de caminhada você chega onde quer... a noção de dificuldade também é bastante diferente, no geral parece que eles são bem exagerados... tudo é muito difícil e complexo...
Bem, fui perguntar ao dono do bar e depois dele responder quando a maré baixava, ele me disse: “dá pra passar com a maré baixa...dá...mas não é com água por aqui (apontando o joelho), é com água por aqui (apontando o pescoço) e as vezes...POR AQUI!!!!! (apontando sobre a cabeça)”.
Resolvemos que no dia seguinte iríamos dar a volta, pois atravessar a nado com as grandes mochilas poderia ser um problema e ainda porque tínhamos carona até a estrada nacional, o que nos “poupava” 8Km. Depois voltamos andando mais oito. Nesta altura, o Rafael já tinha seguido para o Porto. Durante a volta, acompanhávamos o rio e ele não nos parecia muito ameaçador. Quando chegamos à praia, caminhamos até a foz, ela não devia ter mais de dez metros de largura, o Luiz resolveu dar uma “nadada”, eu preferi não entrar, ele ficou andando de uma margem a outra com a água pelos joelhos, a gente lembrando dos 8Km nas costas e do velho português: “É POR AQUI!!!!!!”
Nesta viagem, acabamos por pegar mais caronas do que eu imaginava, duas delas foram bem interessantes, em uma eu e o Luiz (o Rafael tinha voltado pro Porto) tínhamos caminhado até onde dava, mas uma hora fomos obrigados a voltar, pois havia um grande penhasco e não era mais possível continuar a caminhar pelas falésias, retornamos um pouco e pegamos uma pequena estrada, sentido a estrada nacional, que deveria como sempre estar a uns 6Km. Logo paramos pra comer e descansar um pouco, estávamos deliciando cada um o seu pão alentejano, com um queijo curtido, mais curtido ainda por andar tomando Sol todo o dia dentro da mochila, quando pensei ter ouvido o barulho de um carro.
Falei ao Luiz: “um carro”, ele disse que era o vento batendo nas árvores, logo depois o barulho aumentou e eu disse: “é um carro”, fui juntando meu “almoço” e corri pro meio da estrada, o carro apontou e eu comecei a implorar uma carona, era um “trailer”. Nisto o Luiz, foi juntando suas coisas, pra vir pra estrada também.
O carro parou, era um casal de velhinhos, a mulher falou umas coisas que não compreendi e depois fez um sinal de negativo, me ajoelhei implorando a carona enquanto o Luiz chegou com seu pão na mão. A senhora percebeu que não a compreendíamos e falou em inglês, dizendo que não poderiam nos dar carona, pois só tinham autorização para duas pessoas no “trailer” e se fossem pegos com mais de duas pessoas seriam multados.
As súplicas foram eficientes e eles nos deram uma carona até a estrada nacional, eles eram holandeses, por isto não tinha entendido nada do que ela tinha dito, e viviam na França. Antes de sairmos do carro, ficamos conversando um bom tempo com eles, trocando informações, nós falando um pouco de nossa viagem e eles um pouco da deles, trocamos informações sobre o lugar, demos alguma dicas e pegamos outras...foi muito bom.
Quando descemos, em uma pequena vila que não me lembro o nome, terminamos o almoço e voltamos pra estrada pra tentar pegar outra carona e subir mais pro norte, pois queríamos voltar pra casa no dia seguinte…
Uma família suíça nos ofereceu carona, eles saíram de seu país, passaram pelo sul da França, Espanha e Portugal. Era a mãe, um casal de filhos adolescentes e a namorada do filho. O carro parecia um chiqueiro ambulante, estava imundo, era lixo pra todo lado. Eles também não estavam muito diferentes, acho que deviam ter tomado menos banho do que a gente naqueles dias, mas foi muito divertido, pois eles, como nós, estavam procurando um lugar pra dormir.
Assim, fomos subindo com eles até onde iam, fomos parar depois, de muitas voltas, num camping em Zambujeira, uma pequena vila, já no Alentejo, mas como neste bendito camping o banho custava dinheiro, resolvemos que mais um dia sem nos lavar não faria muita diferença.
Lá, eu e o Luiz fomos jantar num pequeno restaurante e já começamos a ter saudade de nossa Aventura, relembrar daqueles dias que passaram, daquela viagem que começou sem nada planejado, com muita vontade e um pouco de coragem, que acabou nos proporcionando muitas histórias, algumas delas contadas aqui e muitas experiências inesquecíveis que vamos levar pra sempre conosco... a gente estava feliz pra caramba, ríamos de tudo, principalmente das coisas que tinham dado errado, dos desentendimentos, do pão duro e do mel doce... estávamos completamente incorporados pela loucura daquela viagem, que de tão louca, foi acabar acompanhada de uma família de suíços sujos em ZAMBUJEIRA…alguém já viu nome de cidade mais louca do que este?


Durante esta viagem, ocorreu algo que nuca tinha me acontecido, pelo menos com a grande freqüência que com que acontecia... todas as vezes que tentávamos pedir carona, éramos zoados por muitos motoristas e acompanhantes, tiraram muito sarro da gente... dado a quantidade de vezes que aconteceu dava até pra perder a paciência, mas todas as vezes que acontecia tal fato, eu ficava, na verdade, com pena de quem o fazia, pois, só pode tirar sarro de um caronista, quem não sabe o que é viajar de carona...
Viajar de carona não é uma necessidade e sim uma opção... que confesso ser um pouco perigosa, mas só quem já viajou desta maneira sabe que tipo de vivência esta experiência nos proporciona.

Nenhum comentário: