Nijmegen, 18 de abril de 2006
Parece que já vai virando uma tradição. Foi mais uma páscoa que passei sobre uma bicicleta (na verdade neste ano aconteceu no sábado... mas faz parte do mesmo feriado).
Grande parte da familia da Susanne, inclusive o pai e a mãe, ia participar de uma corrida de bicicleta, a “Amstel Gold Race” (AGR), no sul da Holanda, região bastante distinta da Holanda por conter morros em seu relevo. Vale destacar que a “montanha” mais alta da Holanda fica por lá, e seu pico fica a incríveis 321m do nível do mar. A AGR parece que tem a mesma tradição da Corrida de São Silvestre aí no Brasil, neste ano foram 20.000 incritos que participaram de 5 diferentes trajetos: 100km; 125km; 150km; 200km e 250km. Um dos grandes atrativos da prova é a presença dos “Bergen” (morros), alguns deles bem temidos como o Keuteberg, que tem uns 200m de extensão com uma inclinação de 22% no início e vai diminuindo até 17% no final (acho que 100% é o ângulo de 90graus com relação ao plano horizontal), sem contar que ele fica nos 15km finais de qualquer percurso, ou seja, quando passei por ele já tinha pedalado mais de 85km, e quem fez o percurso de 250km, quando chegou ali já tinha pedalado mais de 235km!!!! Na AGR não basta chegar ao final de seu percurso, o negócio é chegar não tendo que ter descido da bicicleta pra empurrá-la em nenhum berg. Depois de ter superado o Keuteberg era comum ouvir as pessoas, todas ofegantes (mesmo as que andaram!), perguntando umas pra outras: heb jij het gehaald? (conseguiu?)... as respostas positivas eram sempre acompanhadas de bastante orgulho! Haha.
Na família da Susanne, todo mundo tem uma bicicleta de corrida... o pai a mãe e os 4 filhos. Até eu já tenho uma bicicleta, só que falta as rodas (uma velha bicicleta do irmão da Susanne que é um ciclista semi profissional). Ainda vai demorar um tempo pra eu conseguir dinheiro pra comprar um par de rodas pra poder usá-la, por isso pra treinar e durante a AGR eu usei a bicicleta de competição que o irmão da Susanne usava no ano passado, e também as roupas dele. Ou seja, quem olhasse pra mim (quando eu não estava pedalando) achava que eu era um ciclista de ótimo nível, pois usava os equipamentos de uma equipe conhecida pra quem é um pouco informado sobre ciclismo na Holanda (ciclismo aqui tem quase tanto espaço quanto o futebol). As vezes eu até me perguntava: “pra que eu preciso de tudo isso?!” Concordo que devia ser uma decepção pra maioria que passava por mim durante a prova hahaha...mas se o Rubinho Barrichelo teve uma ferrari por tantos anos por que eu não poderia usar aquele equipamento enquanto não tenho condições de comprar um par de rodas pra minha bicicleta? Hahaha. Mas nem tudo eram flores pra mim com aquela bicicleta, pois como os ciclistas de verdade andam sempre rápido e tem muita força pra subir as ladeiras, essas bicicletas não possuem as marchas mais leves, por isso sempre tinha que fazer uma força a mais pra subir. Pra subir o Keuteberg eu tive que optar por subir rápido, pois fazer MUITA força por muito tempo seria pedir pra descer da bicicleta, entãr era melhor fazer um “pouquiho” mas de força pra chegar ao topo mais rápido. Por isso passei muita gente (a maioria andava), e quem não andava, usava a marcha mais leve e assim ia bem devagar... como eu tinha que ir rápido eu ia gritando pra quem estava na frente: “Pas op!!!! Pas op!!!!” (cuidado!!!) Ik ben links!!! (estou a esquerda!!) Numa dessas eu ouvi de uma pessoa que assitia a prova ao lado da pista: “Kijk daar komt een van LOWIJK!” (Olhe, ali vem um da LOWIJK- a equipe que o irmão da Susanne competia o ano passado) hahahah...
Na noite anterior a corrida passamos de carro por uma parte do percurso que faríamos no dia seguinte, entre eles pela chegada, que ficava no final de uma ladeira de quase 1km... poxa tá certo, neste país faltam ladeiras e quando as tem é legal que elas sejam aproveitadas, mas pra que uma ladeira daquele tamanho no último quilômetro da prova?! Passar por ali de carro na noite anterior não pareceu ser das melhores idéias, pelo menos pra mim, pois não foi nada animador, haha... mas quando cheguei ali no dia seguinte depois de ter pedalado a maior distância da minha vida foi até gostoso ver aquele “berg” – o Cauberg. Eu pude entender o motivo de terem colocado uma ladeira daquele tamanho justo no final da prova. Eu fiquei alucinado quando cheguei ali, a prova toda tinha ido muito bem, estava tão cheio de vontade de chegar ao final que o Cauberg mais parecia uma ladeirazinha de meia tigela. Por alguns instantes eu achei que era o Lance Armstrong (um dos ciclistas mais famosos do mundo, que por 7 vezes consecutivas ganhou a prova de ciclismo mais importante do mundo: o Tour de France). Eu decidi que ia passar por todo mundo e não ia ser ultrapassado por ninguém durante as subida do Cauberg, afinal o Lance foi sempre o melhor nas montanhas... eram nelas que ele era sempre imbatível! Logo comecei a passar por muita gente, a família da Susanne acabou ficando pra trás... eu era mesmo o Lance, hahah... eu continuava passando por todo mundo que via na minha frente. No meio da ladeira tinha uma curva e no começo da curva, quando minhas pernas, que não são as do Lance, já estavam queimando eu vi 2 placas: uma indicando 600m e a outra 500m. Eu não pude ver as outras, pois elas ficavam escondidas atrás da curva... VERDOMEN!!!!! “Minhas pernas já estão pegando fogo e ainda faltam mais de 600m pra terminar esta ladeira!!!”. Por um momento pensei na estupidez que tinha feito em me empolgar tanto depois de tudo aquilo que tinha pedalado... mas reuni todas as minhas energias e lógico deixei de sonhar que era o Lance e de achar que poderia passar todo mundo e resolvi que poderia não passar mais ninguém e que poderia ser ultrapassado por todo mundo, mas não seria no último berg que desceria da bicicleta!!! Pra minha surpresa eu percebi, depois de fazer a curva com muita dificuldade, que as placas indicavam o final da prova e não da ladeira, já que depois da curva vi mais placas (400m; 300; 200m; 100m e a linha de chegada) mas não vi mais a ladeira que pra minha felicidade, e pra de todos que passaram por ali, acabava com a curva.
Eu nunca tinha participado de uma prova de longa distância na minha vida, nem mesmo de corrida. O percurso oficial mais longo que eu tinha feito era a prova dos 12 minutos de corrida que fazia parte do exame prático pra entrar na faculdade... no mais só corridas e passeios de bicicleta esporádicos (sem contar as últimas 4 semanas, que treinei periodicamente pra não fazer feio na frente da familia da minha namorada). Não quero dizer que era sedentário, mas sempre fui acostumado a esforços intermitentes, ou seja, sempre joguei futebol e no futebol passamos 90min correndo; andando; parado; corredo de novo; caido no chão; andando; correndo; chutando ... e correndo pro abraço! e não cerca de 05:00h sobre uma bicicleta com apenas algumas paradas pra comer, fazer um xixi, tirar uma foto... nas quais aproveitamos também pra descançar um pouquinho. Mas bem, tirando a dor na bunda que eu fiquei no dia seguinte, até que participar da AGR não foi tão difícil quanto pensei, nem mesmo o fato de não ter as marchas mais leves foi um grande problema... pra quem nunca tinha participado de evendos desta natureza, foi bem gostoso estar no meio daquela multidão de gente com um mesmo objetivo em comum... A cada quilômetro ou berg que fica pra trás, a pesar de termos menos energia e a bunda doer um pouco mais, a vontade de enfrentar o que vem pela frente fica maior... pra minha sorte minha bunda pareceu ficar anestesiada a partir do quilômetro 60 mais ou menos.
Se eu estiver por aqui no ano que vem... acho que vou querer fazer o percurso de 125km...
PS: mas depois da prova quando passou o efeito anestésico foi complicado sentar pra comer!haha
Nesta vida não tenho muitas conquistas materiais, porém as histórias são diversas. Quem eu seria sem minhas histórias? Não seria eu.
domingo, 9 de março de 2008
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