Nesta vida não tenho muitas conquistas materiais, porém as histórias são diversas. Quem eu seria sem minhas histórias? Não seria eu.
sábado, 14 de fevereiro de 2009
Conclusões à primeira vista
Eu já morava em Portugal havia um tempo... estava acostumado com as coisas. Já tinha aprendido muito bem a aceitar as diferenças e compreendia perfeitamente que, mesmo compartilhando um idioma, Portugal não era o Brasil. Eu conseguia desfrutar bastante de minha vida, mas, mesmo aceitando muito bem algumas coisas indesejadas, ainda haviam momentos que chegavam a me tirar do sério.
Como quase sempre, passava num mercado perto de casa pra comprar coisas pra comer. Desde a primeira vez que ali entrei, vi uma placa que dizia ser proíbida a entrada com bolsas e mochilas. Estas deveriam ser deixadas nos armários indicados.
Duas coisas me faziam não deixar minha mochila por lá: tinha que pagar 50 cents para alugar um armário e quase ninguém os usava. Quase todos carregavam suas bolsas.
Eis que um dia, ao passar pelo caixa, foi me solicitado que eu mostrasse o que eu tinha no interior de minha mochila. Queriam verificar se eu tinha "pego" algo.
O sangue ferveu. Por que a senhora portuguesa que estava na minha frente, com uma bolsa debaixo do braço, não tinha sido revistada? Esconder uma coisa na bolsa dela seria muito mais simples, por estar pendurada logo abaixo do braço, do que na minha, que estava nas costas!
Fiquei com tanta raiva daquela situação: "malditos colonizadores!!!! Roubaram tudo o que era riqueza nossa e agora acham que só por ser brasileiro (eu vestia uma camisa do Brasil) eu ia roubar deles." Eu queria xingar... mas não o fiz. Conferiram minha bolsa, paguei a conta e fui embora com uma melancia entalada na garganta.
Lá quase não voltei mais. Passei a comprar minhas coisas num outro supermercado. A raiva diminuiu... mas não passou.
Eu já estava há cerca de três semanas com minha família holandesa pelo Brasil. Tínhamos passado os últimos 12 dias na Bahia. Todos estavam encantados com a facilidade que brasileiros têm em conversar com estranhos, seja onde for, na padaria, no mercado, na rua, no ônibus... Na Bahia então, a coisa é ainda mais cativante.
Estávamos a caminho do aeroporto e, com nossas bolsas, ocupávamos todo o fundo daquele micro-ônibus. Conversa vai, conversa vem e mais um bahiano vira nosso amigo. Ele queria conversar com todo mundo, usando a Susanne e a mim como tradutores.
Depois de algum tempo viajando com eles pelo Brasil, eu até já sabia o que as pessoas iriam perguntar. Numa conversa rápida, as perguntas são basicamente as mesmas. Ficava bem fáçil de responder: De onde eles vêem? Estão gostando? O que eles comem por lá? Qual a comida que eles mais gostaram aqui? É frio lá? Tão sentindo muito calor aqui? e por aí vai...
Depois de algum tempinho de conversa o pessoal da minha família começou a conversar entre si, sobre as diferenças, neste ponto, existente entre Brasil e Holanda. Pra eles os brasileiros pareciam bem mais simpáticos, amigáveis, sendo aquele rapaz um grande exemplo disso.
Como eles conversavam entre sí, e as opiniões iam e vinham, acabaram nem por perceber que o bahiano amigo foi-se embora... perderam assim, a oportunidade de se despedir daquela agradável figura, que no momento so mostrava mais um exemplo de simpatia brasileira. "Foi uma pena."
Eu tinha voltado a Portugal pra defender minha dissertação. Passeava por aquele pedaço do Porto onde tinha vivido. Que boas lembranças... devido a vontade de comer algo decidi tentar deixar de lado minha raiva e entrar novamente naquele mercado. Depois de mais de um ano eu teria que ser capaz de entar ali sem que o sangue subisse pra cabeça.
Logo que peguei minhas coisas entro na fila mais curta dos caixas. A caixa era a mesma. O sengue meio que subiu. "Hoje eu não aceitaria quieto uma coisa daquelas!!" Tinha certeza que ela tinha se esquecido de mim, mas eu não me esquecia dela.
Ao casal de velhinhos da minha frente ela pediu pra ver a bolsa. Já a minha... ela deixou passar.
Enquanto o pessoal da minha família conversava entre si, minha conversa com nosso amigo continuou. Ele sentava uns três bancos a minha frente e ficava o tempo todo virado pra trás. Eu, quase no piloto automático, ouço então uma pergunta não tão comum pra'quele tipo de conversa, mas minha resposta saiu quase tão automática quanto as outras: "como eles vêem da parte católica da Holanda, se dizem católicos, mas não são praticantes, principalmente os filhos. Já eu, quando estou no Brasil e posso, frequento um centro de umbanda." A conversa acabou quase ali. Nosso simpático amigo logo voltou a se sentar virado para frente... assim ele permaneceu até que se levantou e, sem qualquer adeus, saltou do ônibus a caminho de sua igreja, com sua bíblia debaixo do braço.
Passei um ano tendo raiva de uma situação na qual tinha sido discriminado. Preconceito assim nunca tinha sentido. Mas este preconceito eu só senti, pois o preconceituoso na verdade fui eu... felizmente pude compreender que aquela moça, provavelmente, deve ter que verificar uma amostra das pessoas que entra no mercado, desrespeitando uma norma da casa, ou seja carregando uma bolsa. Uma vez fui eu... outra vez um casal de velhinhos, portugueses, longe de qualquer suspeita.
Pra minha família, foi uma surpresa descobrir que a simpatia pode ter um limite bem determinado. Ser amistoso com um estranho tudo bem, mas com um infiel não... se eu não tivesse explicado a situação pra eles, talvez continuariam a usar o rapaz com um exemplo da ampla simpatia brasileira.
A primeira vista tomamos muitas conclusões que se mostram equivocadas. Felizmente hoje em dia tento pensar duas, três vêzes antes tirar as minhas, sejam elas negativas, ou positivas. Não nego que brasileiros podem ser discriminados por aqui, mas tenho minhas dúvidas na maioria das coisas que ouço. Admito a simpatia brasileira, mas sei bem que ela não é tão grande como gostaríamos...
A primeira vista qualquer um diria que o monstrengo de trás é duas vezes maior que o da frente...
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário