Nesta vida não tenho muitas conquistas materiais, porém as histórias são diversas. Quem eu seria sem minhas histórias? Não seria eu.

domingo, 9 de março de 2008

VAN-MOS NÓS!!!!



Porto, maio de 2003

Eu tinha decidido que não iria viajar nestes feriados, apesar de ter duas semanas livres, achei melhor que ficasse por aqui estudando um pouco, escrevendo minha dissertação...
Mas de uma hora pra outra, depois de pensar melhor, de ver que daqui a uns dois meses meus melhores amigos estarão voltando para suas casas, que o contato vai ficar muito difícil, que ainda não tinha viajado com alguns deles e de perceber que o tempo pra isto está acabando... resolvi entrar naquela VAN e passar uma semana viajando com algumas das pessoas que mais gosto.
Eu pra falar a verdade não estava muito preocupado com os lugares que iria conhecer, com a distância que iria percorrer durante esta semana... só queira mesmo passar um tempo com meus amigos em lugares diferentes do habitual e fazendo coisas também diferentes que até então não tinha tido oportunidade de fazer. Tipo participar de uma roda de violão em baixo de um templo romano com mais de 2000 anos de idade, ou brincar de esconde-esconde nuns Cromeleques.
Pra quem não sabe o que é isto e eu também não sabia, é um conjunto de pedras, que são chamadas de menír, daquelas que o Obelix gosta de carregar nas suas horas de folga... um exemplo mais famoso de cromeleques está na Escócia, o “Stone Range”
Enquanto viajávamos ríamos o tempo todo, aquela VAN era uma bagunça, ainda mais porque nela havia umas figuras de outro mundo, ou melhor de Campo Maior, que não são estranhas e sim INTERESSANTES...
Quando chegamos ao tal Cromeleque, o tempo estava fechado e garoava um pouco, vale ressaltar que ninguém sabe ao certo pra que servia aquilo, alguns dizem que era um observatório astronômico e outros dizem que era pra ser usado em algum culto religioso. Existem mais outras mil teorias, mas nós descobrimos que o verdadeiro sentido daquele lugar era o esconde-esconde. Não há lugar mais perfeito pra isto, havia esconderijos pra todo lado, atrás de pedras de diferentes tamanhos e em diferentes posições, o terreno é plano, por isto dá pra correr sem muitos perigos de cair, parece realmente uma arena de esconde-esconde...
Afirmamos que nossa teoria é a real, pois naquele feio dia de garoa, a única hora que o Sol apareceu foi enquanto brincávamos. Acho que os seus “idealizadores” devem ter ficado felizes por finalmente alguém descobrir a sua finalidade e mandaram uns raios de Sol pra agradecer... vale ressaltar que aquilo já está lá há uns 15 mil anos!!!!! Uma das coisas mais engraçadas da brincadeira era ver a cara dos turistas que estavam por lá, no começo eles pareciam não acreditar no que aquele bando de marmanjos estava fazendo, mas logo começaram todos a rir e fazer uma cara de quem estava querendo participar da brincadeira...
Como já disse aquela VAN era uma bagunça. Depois de passar uma semana dentro dela, já não acho mais que o carro de uns suíços que me deram uma carona durante a Aventura Vicentina era tão sujo assim....
Eu era o único naquela VAN que não estudava arquitetura, isto foi muito interessante, pois o que a primeira vista era apenas uma bela igreja, se tornava logo um belo exemplar de uma construção que continha toda a história do período gótico português com algumas influências neo-góticas, devido aos alinhamentos, ângulos, retoques e mais um montão de coisa que já não me lembro...
Passamos por quase todo Portugal. Descemos sentido sul, beirando o litoral. É claro que, como qualquer bom brasileiro com pouco dinheiro no bolso, optamos pelas estradas sem pedágio e por isto sempre bem judiadas... muita gente não gosta destas estradas, mas era consenso entre nós que além de não pagar o pedágio, passaríamos por lugares mais “perdidos” e interessantes. Foi isto mesmo que aconteceu.
A primeira parada verdadeira foi em Batalha. Lá tive minha “primeira aula de arquitetura”. Antes já tínhamos parado em Leiria, mas o castelo, a principal atração da cidade, estava fechado porque era feriado, vai entender... um lugar que vive do turismo fechado no feriado, mas beleza, é bola pra frente, ou melhor, VAN pra estrada...
Na “descida” ainda passamos por Sintra, que tem um castelo mouro muito bonito, é um dos castelos mais impressionantes que já vi, e olha que já vi muitos. Ele fica sobre uma montanha bem alta, de onde se tem uma vista muito louca. De lá pode-se ver um outro castelo que fica num outro cume da montanha, todas as cidades da região, entre elas Lisboa, Cascais, Estoril, e mais um montão que a gente não conseguia identificar. Era possível ver também o mar, que ficava muito bonito de lá do alto...
Por falar em mar, também fomos um dia pra praia, acho que nunca tinha me sentido tão farofeiro quanto naquele dia, imaginem uma VAN cheia de gente, forrada de pão com atum, pão com mortadela, entre outros quitutes, mais umas raquetes de frescoball e é lógico, aquilo que não pode faltar pra um farofeiro... a bola de futebol!!!!
O mar aqui em Portugal é extremamente gelado, mas muito gelado mesmo. Aquele dia não estava dos mais quentes, mas a vontade de entrar na água era tanta, que fui obrigado a me aventurar... não sem antes fazer um aquecimento e depois sair correndo que nem um louco pra somente perceber o quanto a água é gelada quando já estivesse lá dentro.
Passados uns 5 minutos na água, minhas pernas e meus braços começaram a adormecer, resolvi sair, achei mais seguro... quem nunca fez gelo e o deixou tempo demais em contato com a pele, que depois de retirá-lo, a pele fica adormecida e ardida, como se tivesse sido queimada... pois é fiquei todo assim, inclusive em alguns lugares que... deixa pra lá. Mas tudo bem, alguém já viu um farofeiro reclamar de alguma coisa, tudo é festa, tudo tá bom, e pra nós foi assim... só faltou a farofa mesmo!
Fomos passar também pelo Alentejo, mas antes fomos “obrigados” a parar em Lisboa e comer os famosos pasteis de Belém, que são uns doces, cobertos com um creme de natas, muito gostosos. Em Lisboa há uma fábrica que já os faz há alguns séculos, assim eles tiveram bastante tempo pra se aperfeiçoar. Dizem por Portugal que o doce de lá é o melhor do país.
O Alentejo é uma região de Portugal muito bonita, cheia de cidades e aldeias históricas, também é muito famosa por sua paisagem rural, dizem por aqui que aquela grande fama dos portugueses vem de lá... bem, depois de chegar e rodar pelo Alentejo, com paradas em Évora, Monsaraz, nos Cromeleques, numa gruta com pinturas rupestres de mais de 18 mil anos antes de Cristo, demos uma esticada até a Espanha, em Cárceres, uma cidade medieval, e voltamos, sentido morte, pelo interior, passando por algumas aldeias históricas, entre elas Monsanto, que pra todos foi um dos pontos altos da viagem.
Esta aldeia fica incrustada num morro rochoso, muitas vezes não se pode perceber quando as pedras fazem parte do morro ou de uma casa, se é que dá pra diferenciar uma coisa da outra, as casas se misturam com a encosta, ainda mais porque foram construídas com as mesmas pedras de lá, por isto têm a mesma cor. Pode-se ver grandes pedras invadindo as casas, ou talvez as casas invadindo as pedras...
Eu cheguei a entrar numa delas que estava em ruínas, havia uma grande pedra que era uma das paredes do lugar, e que, por dentro chegava a ocupar grande parte de um dos cômodos, tipo 25% do cômodo era ocupado por ela... viva minhas aulas de arquitetura!!!!
Chegando ao alto daquele morro, tinha umas ruínas de um castelo, também numa grande simbiose com o lugar, de lá de cima podíamos ter uma vista animal da região, toda rochosa, com algumas pequenas cidades perdidas entre os morros. Lá, o Alziro e a Roberta foram andar pelo lugar, o Bruno, o Rafael, a Camila e a Camila foram bater umas fotos, o Luiz se deitou numa pedra e eu fui pro alto da ruína de uma das torres.
Enquanto ficamos ali, parecia que estávamos recarregando as pilhas, de lá além de ter uma belíssima vista, ainda tinha o barulho do vento, somado com os badalares dos sinos de algumas ovelhas que pastavam não muito longe dali, o som de um senhor cortando uns galhos secos no pé do morro e o canto de alguns pássaros... acho que foi das poucas vezes que consegui não pensar em nada, só me sentia fazendo parte daquilo tudo. Como disse, depois de ir embora estava com as pilhas recarregadas...
Évora é, segundo muitos, uma das mais bonitas cidades portuguesas, ela possui um centro medieval, todo cercado por muralhas, como muitas vilas ou cidades por aqui. Possui, além disto, ainda ruínas do tempo que os romanos dominaram o "mundo". Umas delas de um templo, onde fomos de noite fazer uma roda de violão. Dentre as muitas construções históricas de Évora, uma delas me impressionou bastante, a Capela dos Ossos.
Quando se chega lá, na entrada da pequena capela, pode-se ler sobre a porta: “Nós que aqui estamos, pelos vossos esperamos”. O lugar é meio macabro, foi construído como um culto a morte por três padres franciscanos. Em seu interior há cerca de 5000 crânios humanos e mais não sei quantos ossos que cobrem todas as paredes e colunas da pequena capela. Os ossos que estão nas paredes foram somente empilhados uns nos outros, por isto só se vê a cabeça dos ossos e no meio destas os crânios.
O teto de lá está todo decorado com crânios e pinturas de caveiras humanas, elas parecem estar sorridentes, como se fossem aqueles anjinhos pintados no teto da maioria das capelas... há também dois corpos, um adulto, todo corcunda e uma criança pendurados em uma das paredes, eles ainda possuem pele, músculos como verdadeiras múmias. Há várias lendas sobre o porque deles estarem naquele estado de conservação.
Uma delas diz que o filho batia na mãe, e o pai era condizente com a situação. A mãe pouco antes de morrer, rogou uma praga sobre os dois que morreram e ficaram como estão...
No final da subida pelo interior, fomos chegar a Trás os Montes, uma região que já conhecia, onde fiz a primeira de minhas aventuras na Europa, mas quando a fiz estava só. Agora tinha a oportunidade de levar meus amigos pra conhecer alguns dos lugares bastante especiais por onde já tinha passado.
O Rio Douro é muito bonito nesta região, o Parque Natural do Douro Internacional. Lá, ele, que vem desaguar no mar aqui no Porto sobre a minha vista, é ainda mais bonito, pois corre entre grandes penhascos, ainda selvagens, com pouca intervenção humana. Naquele ponto ele ainda tem o charme de dividir Portugal da Espanha.
Foi uma pena que o dia estava chuvoso, aquela região com Sol fica ainda mais espetacular... nós paramos na Barragem de Picote, uma barragem construída em 1949 entre os penhascos, que, segundo meus amigos quase arquitetos, devem ter uns 200 metros de altura, fiz questão de bater uma foto, num mesmo lugar que bati da outra vez na qual estava sozinho, agora com todos eles.
Sentia-me muito feliz por mostrar aquele lugar pra outras pessoas, pra falar a verdade às vezes chego até a pensar que alguma das coisas que já fiz fazem parte de algum sonho, de tão loucas que algumas destas foram. Chegar ali com meus amigos veio me provar que tudo aquilo é muito real, que eu estive por lá, que eu realmente tinha feito aquilo tudo...
Enquanto andávamos em direção a Miranda do Douro eu reconheci um ponto por onde tinha passado, que pra mim é até hoje um dos mais bonitos que já vi em toda a minha vida. Este lugar tinha sido muito marcante, pois, quando passei por lá sozinho além de ficar maravilhado com o lugar fiquei muito triste por não poder dividir aquele momento com mais ninguém, éramos eu o lugar e Deus, aquela experiência tinha me proporcionado sentimentos fantásticos, porem um pouco tristes...
Quando, da estrada, reconheci o lugar, pedi pro Luiz parar a VAN e falei sobre minha vontade de voltar lá. Apesar do dia chuvoso e frio, o Luiz e a Camila, a Cáca, vieram comigo. No caminho de ida, fui um pouco na frente dos dois, porque queria sentir novamente o que senti quando estive lá só. Quando avistei a “minha pedra” chorei... parecia não acreditar que estava lá novamente, mais uma vez eu o lugar e Deus, fiquei um tempo aproveitando aquela sensação, vendo o rio passar bem pequeno lá em baixo, vendo Miranda do Douro bem pequena lá no fundo e aquela mesma igrejinha do lado espanhol.
Quando os dois chegaram, não cabia em mim de felicidade, mais uma vez pude provar pra mim mesmo que tudo aquilo que tinha feito era real e poder dividir o que estava sentindo com dois grande amigos foi maravilhoso, a muito tempo que sinto um vazio no peito, mas naquela hora não me faltava nada...
Enquanto conversávamos um pouco, em cima daquela pedra, tomamos um grande susto, pois, de repente, apareceu um bando de condores (sei que são condores, pois uma das vezes que pesquisei sobre o lugar, li que estes imensos pássaros habitavam aquelas escarpas), eles saíram de um lugar imediatamente abaixo de nós, e começaram a voar logo ali na nossa cara, foi animal...
Depois foi só voltar pro carro, trocar de roupa e seguir em frente. Onde iríamos parar já não me interessava mais, já estava feliz com minha viagem, tinha conseguido fazer tudo o que queria durante aqueles dias, a convivência com todos foi maravilhosa.
Os que não eram tão amigos passaram a ser e os que já eram meus grandes amigos, entraram definitivamente para aquele seleto grupo dos que eu nunca vou esquecer, “mesmo que o tempo e a distância digam não”!!!!!
Mas é assim, estávamos todos felizes com a viagem, curtindo o que ainda restava dela, tínhamos passado também por Bragança. Já nos encontrávamos a uns 5Km do Porto, quando o Luiz, que estava dirigindo a VAN disse: “galera, tá acabando o combustível”. Depois de um breve silêncio, todo mundo começou a gozar dele dizendo que ele estava louco, pois tínhamos acabado de botar uns litros (3 litros pra ser mais concreto), e pra todo mundo era impossível o diesel estar acabando. Aí o Luiz falou: “Tô falando sér...” ele foi interrompido pelo apagar do motor.
O silêncio tomou conta do carro. Silêncio que alguns segundos depois foi quebrado por um monte de gargalhadas. Ninguém se agüentou, todos começaram a rir, ainda mais quando vimos uma placa dizendo que havia um posto de gasolina a 3Km. Como estávamos numa descida continuamos rindo e torcendo pra que a bendita descida percorresse os 3Km.
Ela percorria uns 2Km e poderíamos chegar bem perto do posto com o embalo se no meio do caminho não tivesse um PEDÁGIO!!!!

Tinha um pedágio no meio da descida,
No meio da descida tinha um pedágio...

De resto foi passar o pedágio empurrando o carro, rindo... esvaziar nosso garrafão de água, rindo... esperar rindo enquanto o Alziro e o Luiz fossem rindo buscar mais diesel, com a garrafa de água... depois chegar no Porto, também rindo!!!!!!

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