Nesta vida não tenho muitas conquistas materiais, porém as histórias são diversas. Quem eu seria sem minhas histórias? Não seria eu.

domingo, 9 de março de 2008

Os Homens Estátua


Porto, primavera de 2003

- Espetáculo!!!! – Não podia ser pra mim.
- Estes são bons, devem ter treinado muito. – Treinado, era minha primeira vez, e quando cheguei ali, ainda nem sabia o que ia fazer.
- Está muito bom mesmo. – Devem estar falando de outra estátua...
- Gostei imenso desta aqui... – Mais um! Será que era para agente mesmo? Eu não podia nem olhar pra conferir.
- Tu mereces um beijito. – Foi um dos momentos mais difíceis.
- Olhas como parecem de verdade. – No final acabei achando que deu pra enganar um pouquinho.

No começo eu não acreditava nas coisas que ouvia, e principalmente no barulinho das moedas caindo no cofrinho... Poxa era terrível ficar ali, por duas horas e meia, estático, pelo menos era esta minha intenção, com um monte de gente olhando pra minha cara, ouvindo este tipo de coisa, sem poder se movimentar e o pior sem poder rir...
Estudante brasileiro desempregado perdido na Europa faz qualquer tipo de coisa pra ganhar um dinheiro...Péraí!!!! qualquer coisa não, mas agente dá uma de artista pra sobreviver, e tinha sido isto mesmo que eu e o Luiz tínhamos feito este domingo. Agente se inscreveu no VII Encontro Nacional de Homens Estátua, que ocorreu em Espinho, uma cidade que fica cerca de 20 Km do Porto. Pra quem não entendeu, ou ainda está se perguntando: “Não...Será que é isto mesmo que estou pensando?”. Homens Estátua são aquelas pessoas que se “fantasiam” de estátua, ficam imóveis, esperando que as pessoas dêem uma gorjeta, e quando as recebem fazem algum movimento...
Nós estávamos atrás destas gorjetas e do prêmio de participação, já que sabíamos que com relação aos prêmios do júri e popular não tínhamos hipóteses.
Passamos a semana toda discutindo o que iríamos fazer, eu tinha uma “grande” idéia, e o Luiz tinha outra. No dia anterior fui aconselhado por uma amiga que minha idéia não era tão grande assim... no dia do concurso encontrei o Luiz, as 11:30 da manhã, e fomos resolver o que iríamos fazer...cada um cedeu “um pouquinho” e mudamos completamente o que cada um tinha em mente. Treinamos por uns 5 min e estava pronta nossa obra de arte: “O Grande Golo”.
Nossa performance iria ser um disputa de pênaltis, entre mim, o atacante, e o Luiz, o goleiro, a cada moeda que caísse no nosso cofrinho, esta foi uma idéia genial que logo falarei dela, realizaríamos um movimento. Exemplo: na 1ª moeda, eu colocava a bola na grama e parava, enquanto isto o goleiro se preparava. Na 2ª, tomava distância, na 3ª rezava um pouco, e assim por diante...ora eu fazia o Gol, e provocava o Luiz e ele me desafiava para uma outra tentativa e, ora ele pegava meu chute e eu o desafiava novamente...
A única coisa concreta que tínhamos para a nossa obra prima era o cofrinho, nós compramos um bonequinho vestido com a camisa do Futebol Clube do Porto, pois este clube ganhou o campeonato português e a Copa da EUFA (segunda competição mais importante da Europa de Futebol) e naquele dia iria disputar a final na Taça de Portugal. Aqui todos os seus torcedores estão empongadíssimos, todos orgulhosos, e acreditamos que poderíamos ganhar algumas moedas apenas pelo boneco, foi dito e feito.
Quando chegamos a Espinho, era 13:30h, vários artistas de verdade estavam chegando e arrumando suas coisas, eu via uns deles chegando com várias coisas, todos preparados, deveriam ter gasto um puta tempo preparando “suas” estátuas...e nós, só tínhamos o bonequinho do Porto e uma bola de Futebol, toda zoada ainda por cima.
Arrumamos um lugar na praça que tinha duas árvores “em forma de gol” e decidimos que ali era o lugar perfeito, só era foda que o gramado estava cheio de cocô de cachorro. O próximo passo era arrumar tinta, pois estátua não pode ter textura de pele, tem que estar pelo menos pintada, afinal não queríamos parecer estátuas de cera.
Conseguimos “emprestar” um pozinho de argila, que mistura-se na água e passa-se no corpo, depois de secos ficamos com textura de barro.
Quando terminei de me pintar, estava completamente coberto de barro, até minhas pálpebras estavam pintadas, fiz uma coisa que fazemos sempre mas que nem notamos quando a fazemos: lambi os beiços...não precisa nem dizer que desta vez eu percebi quando fiz isto, o gosto de barro é inconfundível, e também que passei a exposição toda me lembrando daquela maldita lambida...
Enquanto aquilo ia secando, minha pele começava a repuxar, perecia que estava fazendo uma plástica ali, e o pior, no corpo todo, de uma só vez, aquilo estica tanto a pele que ela parece que vai arrebentar.
Depois de “tudo” pronto, nos posicionamos e iniciamos a apresentação, no começo foi complicado, pois como nunca tinha feito aquilo e também não tinha treinado nada, às vezes parava numas posições difíceis que a perna rapidamente começava a tremer, se as pessoas não colocassem uma moeda bem rápido tudo começava a tremer, e eu tinha que fazer uma puta força pra não tremer, mas perecia que quanto mais força eu fazia mais eu tremia...aí quando ouvia o barulinho da moeda caído no cofrinho era uma alegria, além de receber um trocado podia me mexer um pouco.
Não demorou muito agente pegou a jeito daquilo, descobrimos as posições mais confortáveis, começamos a perceber o que as pessoas queiram, começamos a sentir nos diferentes momentos quando as pessoas “torciam” pra um ou pro outro, era incrível, mas isto realmente acontecia. Por exemplo, quando começavam a chamar o Luiz de Vitor Baia (goleiro do Porto) ele defendia a bola e ia comemorar com quem botava moeda…quando falavam vai Deco, ou vai Figo, eu fazia o gol…
Numa destas o Luiz saltou pra defender e deixou a bola passar. Ele se deitou e eu me ajoelhei pra “comemorar”. Quando botaram a moeda seguinte eu me levantei pra ir a direção do público e o Luiz se levantou pra me intimar pra um outro desafio, mas quando ele se levantou estava com a perna toda suja de bosta de cachorro, foi foda todo mundo começou a rir, inclusive o Luiz, eu consegui me segurar, mas tremia de tanta vontade de rir. Eu decidi me segurar, pois achei que se começasse a rir não pararia mais, quem me conhece sabe do que estou falando.
Conseguimos prender a atenção das pessoas, começamos a ganhar várias moedas e começaram também os elogios. Agente não ganhou, como era obvio, o prêmio do público, mas acredito que devemos ter tido vários votos…
Outra hora, depois de mais um gol, corri em direção a uma senhora que tinha botado uma moeda, já tinha feito aquilo várias vezes, só que esta senhora se assustou comigo, e deu alguns passos pra trás…nisto ela tropeçou num degrau que tinha quando acabava o gramado e começava a passeio e se desequilibrou…ela só não caiu porque seu marido estava imediatamente atrás dela e a segurou. Ele deu uma grande gargalhada…a mulher, passado o susto, começou a rir, eu já tinha parado, consegui me segurar mas até lacrimejei de tanta vontade de rir…
Mas em uma das comemorações, numa hora eu tinha acabado de colocar a bola pra chutar, e ainda ia tomar distância, rezar um pouquinho, correr em direção a bola, e chutar, pelo menos mais quatro moedas, chegaram umas senhoras e começaram a brincar comigo e com o Luiz, e o melhor além de brincar elas botaram várias moedas, como percebemos que estavam me incentivando eu fiz o Gol me virei pra elas e parei, logo depois ouvi: “ele fez o Golo, vamos dar mais uma moedinha”.
Resolvi correr até elas me ajoelhei, abri os braços e parei. Uma delas disse: “Ele não esta tão bonitinho” – Todas começaram a rir, aí a mesma virou pra mim e disse: “Tu mereces um beijito” veio se aproximando e eu, já com muita vontade de rir, consegui ficar parado, ela me deu um beijo na bochecha, ainda bem, todo mundo começou a rir, eu olhava pras pessoas e todas rindo, eu ajoelhado sem poder me mecher, cheguei até a suar de vontade de rir aquela hora…
Teve uma outra que foi foda também…por vezes passavam alguns organizadores nos dizendo as horas e oferecendo água, nós bebíamos de canudinho, numa destas, ainda bem que já estava acabando, fui beber a água me engasguei, tive muita vontade de tocir, mas tinha bastante gente nos vendo aquela hora, e eu já tinha entrado no clima do negócio e queria fazer direito. Resolvi que seguraria até alguém botar um moeda…foi foda, a água tinha entrado por onde não devia e estava incomodando, pra minha sorte não demoraram muito a presentear nosso bonequinho, e eu coloquei as duas mãos na frente do meu rosto como se fosse rezar e matei a vontade de tocir…depois o Luiz veio me falar que foi foda aguentar minha cara enquanto estava engasgado.
Quando acabou pegamos o bonequinho e ele estava pesado, cheinho de moedas…entramos num micro ônibus que nos levou a um lugar pra tomar banho, a organização ainda nos deu um jantar…
Enquanto íamos pra estação de trem, pra voltar ao Porto, agente ria o tempo todo, pois além de já estar com nosso principal objetivo no bolso, o prêmio de participação, de estar com nosso bonequinho pesado de tanta moeda, ainda tínhamos virado artistas e com mais um monte de história pra contar….

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