Nesta vida não tenho muitas conquistas materiais, porém as histórias são diversas. Quem eu seria sem minhas histórias? Não seria eu.

domingo, 9 de março de 2008

Caminhando contra o vento

Amsterdam, 17 de agosto de 2007


Puxa… faz tempo que não termino uma carta... tenho que dizer termino, pois neste tempo todo sem dar notícias outras cartas foram começadas. Como é estranho, quando pouco acontecia as palavras pareciam brotar na minha cabeça, agora que muito acontece elas me faltam...

O meu irmão esteve aqui me visitando. Como foi gostoso recebê-lo. A visita foi ainda mais especial por acontecer na mesma semana que encontrei meu primeiro trabalho oficial, com contrato assinado e um salário bastante animador pra quem sempre andou contando os centavos pra fazer tudo o que fez. Só foi uma pena ele ter ido embora dois dias antes de eu ter ouvido que a vaga seria minha.
Por falar em ir embora... é incrivel como é mais difícil nos despedir de alguém quando não somos nós que partimos.

Meu trabalho é numa ONG que presta serviços à prefeitura de Amsterdam oferecendo atividades esportivas e culturais pra jovens de uma das regiões da cidade. Estou conhecendo uma parte da Holanda bastante desconhecida por todos. Quando pensamos na Holanda imaginamos um país livre de preconceitos, que respeita relações homossexuais, onde o aborto, a eutanásia e o uso de drogas leves são permitidos. Temos a idéia de que este é o país que aceita e recebe muito bem as diferenças... mas não é assim que funciona.
Como qualquer sociedade, esta também tem seu calcanhar de aquiles – se bem que algumas têm o pé inteiro, mais a canela e a região até o pescoço! Bem, a integração dos imigrantes árabes, principalmente turcos e marroquinos, dos antilianos e surinameses com a sociedade local não ocorre como deveria... ou melhor, ela quase não ocorre! É difícil dizer quem é o principal culpado: o meio que não acolhe ou o estranho que não se inturma...
A Holanda é de certa forma dividida... a branca e a preta. A primeira é a sociedade que vemos na TV e a outra é formada por estes imigrantes... as escolas, por exemplo, são extra-oficialmente classificadas de escolas brancas (Witte School) e escolas pretas (Zwarte School)... não é preciso dizer mais nada.
A ONG pela qual eu trabalho oferece, em nome da prefeitura, atividades pra entreter e educar, principalmente, os jovens desta parte segregada da sociedade. A causa é nobre... as ações quase nada. A prefeitura, pra dar satisfações a sociedade, dá dinheiro pra uma ONG fazer o trabalho... alguém já viu algo parecido no outro lado do oceano?!
É uma dinheirama jogada fora... enquanto isso os jovens, filhos dos que imigraram, ficam no seu canto com um sentimento de revolta contra a parte branca e contra eles mesmos... a tensão existente entre os grupos vindo cada qual de um país é bastante grande. Problemas de rebeldia e violência são cada vez mais comuns... algumas pessoas aqui deveriam assistir “Cidade de Deus”.
Do meu lado, estou tentando fazer o melhor possível, o que não é muito facil... mas estou tentando. A instituição da picaretagem no meu local de trabalho ainda me desistimula um pouco, mas acho que estou começando a conseguir enfrentar melhor isso. Com os jovens ainda estou na fase de ganhar a confiança, ser reconhecido e depois respeitado... se conseguir isso já valeu o desafio e como já falei, o salário fixo no final do mês tem me deixado um pouco mais animado.

Uma das loucuras por aqui é que as férias são uma coisa muito importante pra todos, e por isso muito respeitadas, inclusive pelos pratrões. Quando fui começar o trampo falei: “já tenho férias programadas com minha namorada, isso é um problema?” Não foi, duas semanas depois de começar tive duas semanas de férias. Nós não fomos muito longe, pra mim foi até um bocado estranho férias tão cedo, mas a Susanne estava precisando.
Por alguns dias fomos pra uma ilha no norte da Holanda, Terschelling. Eu tento nunca comparar as coisas, mas desta vez foi difícil não ir com minha mente à Ilhabela, Ilha Grande ou mesmo Ilha do Mel, onde pude aproveitar dias maravilhosos desfrutando de praias muitas vezes desertas. Eu sabia que por aqui estas coisas são meio irreais... mas bem, era melhor voltar a realidade e aproveitar os dias que teria por lá.
Logo na chegada pegamos as bicicletas já reservadas. Pode-se levar o carro até a ilha, mas a grande maioria das pessoas opta por alugar bicicletas, gastar umas calorias a mais e aproveitar o vento na cara durante estadia. As mesmas lojas que alugam as bicicletas levam nossa bagagem ao camping. Pra minha supresa a ilha era mais bonita que imaginava. Não só pra minha, era nítido que muitos dos visitantes se surpreendem com a natureza encontrada. É uma mistura de bosques, diques, pequenas dunas e praias. A ilha estava cheia e por isso pedalávamos sempre pra locais mais distantes a fim de encontrar as praias mais tranquilas... e não é que pra minha felicidade eu descobri que existem praias desertas na Holanda!!!! Parecia um milagre, mas foi só pedalar uns quilometros a mais e caminhar um pouco sobre as dunas que lá estavam elas... vazias. A gente se encostava no pé das dunas, pra aproveitar um pouquinho de sombra de alguns arbustos. De lá até a água eram vários campos de futebol de distância. Nunca tinha visto praias tão largas. Mas não fazia mal, pois como o sol aqui não chega a pino nesta época do ano, a areia, mesmo no dia quente, não chega nem perto de arder. A caminhada pra água é bem gostosa e na volta já chegamos secos, a canga quase não fica molhada! Haha. Foram dias bem gostosos de tranquilas idas e vindas à água, que felizmente não estava tão fria... numa destas resolvi fazer meu primeiro tchbum pelado por estas bandas. Ao sair da água eu não tive como não cantar: “caminhando contra o vento, sem lenço e sem documento... eu vou... por que não?!?! por que não?!?!”

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