Nesta vida não tenho muitas conquistas materiais, porém as histórias são diversas. Quem eu seria sem minhas histórias? Não seria eu.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Mudanças

Eu era pequeno, tinha sete anos, mas me lembro bem de minha mãe entrando em casa: "a fila vai começar".
Acompanhada de várias vizinhas lá se foi ela pra porta da escola. A fila na verdade ainda não tinha começado... elas foram as primeiras. Eu era um dos primeiros. Depois de quatro dias de revezamento, entre mãe, pai, tios, tias e vizinhos meu lugar foi garantido. Lá era assim... ou nossa família passava várias noites na fila pra estudar na Palmyra, escola da prefeitura, ou corríamos o risco de ter que ir pra Ana Candida, escola do estado, onde a maioria dos pais não queria ver seus filhos.

Dar uma voltas com ele já foi até desejo de criança... de certa maneira foi ele que me introduziu a São Paulo. A primeira vez que estive por lá sozinho foi ele que me levou ao meu destino. Nele sempre me senti seguro, respeitado. Enquanto por lá vivi, ele fez parte de minha vida. De poucas coisas os paulistanos se orgulhavam tanto: "o nosso é o melhor do mundo!"

Em todo o tempo que vivi em São Paulo convivi com aquelas obras. Não me lembro de por lá passar sem ver trabalhadores no meio daquele mar de lama. Estranho como a gente se acostuma com estas coisas. Como pode ser normal aceitarmos viver ao lado daquele esgoto, sempre parados no trânsito. Felizmente o trabalho daqueles homens e daquelas máquinas traria algo de positivo praquela cidade.

Pais que queriam uma educação boa pros seus filhos, e não tinham dinheiro pra uma escola particular, encaravam aquela fila. A chance de ver os filhos longe da escola do estado valia qualquer esforço. Hoje, mais de 25 anos depois, imagio que meus pais passariam semanas naquela fila. Com professores na família sei que a qualidade da nossa educação estudal não melhorou muito. Lá, naquela época, era difícil de se repetir... hoje impossível não passar de ano.

Ao sair por aí começei a questionar como ele poderia ser o melhor do mundo, ainda mais com uma tarifa tão elevada. Ignorar que ele cresceu alguns quilômetros seria incoerência, mas compreender como uma cidade tão grande e tão rica tenha um metrô daquele tamanho, hoje em dia tão lotado e que entra em colapso por causa de uma blusa é impossível.

Depois de viver por um ano ao lado de outro rio, percebi o quanto deplorável são aquelas águas. Depois de viver alguns anos abaixo do nível do mar me entristece a falta de controle daquelas enchentes. Me entristece ainda mais saber que um governo investe tanto pra uma marginal sem enchentes, como tanto foi prometido naqueles anos que por lá estive, enquanto seu sucessor volta a se esquecer dequeles rios, jogando tudo o que foi feito pelo ralo.

De longe não compreendo como pode um partido ficar tanto tempo no poder sem quase nada fazer para oferecer a São Paulo o que São Paulo precisa.

De longe eu me espanto o povo paulista se acostumar com a desgraça... e por consequência, mesmo depois de 16 anos seguidos de um mesmo governo, não exigir mudanças.


sábado, 28 de agosto de 2010

Um alô

A Susanne as vezes se espanta por eu quanse nunca tentar fazer contato com meus conterrâneos por aqui.
É comum ouvir o português brasileiro pelas ruas. Na grande maioria das vezes me contendo em apenas ouvir um pouquinho. Sei lá... acho que sou aqui a mesma pessoa que sempre fui. Quando vivia no Brasil não saía pela rua falando com todo mundo que cruzasse meu caminho.

Com as chuvas que estão caindo por aqui, deixei minha bicicleta no trabalho e peguei o metrô pra ir a uma reunião. Sentado, vejo alguém se aproximar e, com um gesto, pedir pra se sentar ao meu lado.
Dando passagem eu disse: "só porque eu gostei de sua camisa" - em português. Ele vestia uma camisa do São Paulo.

Era perto do meio dia, já estava pensando no meu almoço. A resposta, na forma de pergunta, veio lenta:

- Você é brasileiro? - O cheiro da cachaça veio forte
- Sou sim.
- Eu ti vi lá na estação RAI, com sua namorada! - nem me lembro a última vez que peguei um metro com a Susanne
- Acho que você está me confundindo - ele, mesmo lentamente, não parou mais de falar. Dava pra ficar bêbado pelo cheiro. Me lembrei de um "outro encontro"

...

- Eu conheço todo mundo aqui. Dou conselhos. Se os caras querem passar umas férias no Brasil, eu até ajudo. Já vivo aqui há muito tempo. Sei de tudo...
- Bom chegou minha estação. Vou indo. Um abraço.
- Falô meu! Meu nome é Vini... quando encontrar alguém por aí, manda um alô!

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Tempo e espaço


Umas das coisas que mais me frustrava, ao começar minha vida por aqui, era o fato de quase nunca encontrar conhecidos por aí... e quando eventualmente os encontrava era um encontro meio sem história.

Aquelas coisas de, por acaso, rever um amigo e com ele se lembrar do passado, tinham ficado pra trás.

Felizmente o tempo vai passando, as amizades aumentando e a história se constrói. Porém, mesmo sendo esta uma história muito bacana, a saudade daquele passado e daqueles que fizeram parte dele continua.

Mas, outro dia, quase como mágica... encontro alguns amigos. A conversa era gostosa, porém... mais pausada que o normal. No meio dela, outras caras foram aparecendo, o papo foi se alongando, de um jeito que ele parecia não acabar mais.

As pérolas rolavam...

- a da professora toda sargentona pega vendo pornografia num laboratório da faculdade.
- a do maluco que se esqueceu de por a sunga e foi nadar na hora do almoço.
- a dos três manés em Avaré, que emprestaram ocarro de um amigo, enxeram ele de mulher, não botaram cinto e acabram sozinhos no hospital, pois um deles ficou com um pé todo ralado depois que a porta do carona se abriu numa curva.
- as das lavagens do corredor e de seus acidentados, que uma vez por ano invadiam de sunguinha o hospital universitário da USP
- as das corridas pelado
- as dos orgulhosos barangueiros...

Na verdade esta conversa ainda não acabou... a cada dia alguém se lembra de algo mais.

Difícil deveria ser se empreitar por aí nos tempos em que nosso mundo era bem menor... quando não haviam coisas como um facebook... que trouxe velhos conhecidos a uma mesma conversa, mesmo que o tempo e o espaço nos impeçam de se encontrar.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Ordens

Quando ainda estava bastante envolvido com treinamento esportivo, andei escrevendo alguns artigos para um site especializado.
Mesmo não tendo escrito texto algum já faz um tempinho, volta e meia, ainda recebo email de leitores do site, com perguntas, pedidos de ajuda/estágio, elogios. Mesmo não trabalhando mais diretamente com treinamento é bom saber que algumas de minhas idéias são aproveitadas por aí... raramente dou alguma resposta.

assunto: treinamento em futebol

Felipe,
sou universitário em XXXXX, e gostaria que vc pudesse responder a duas perguntas em meu trabalho:
1) Crie 02 treinamentos básicos no futebol.
R:
2) Crie 02 treinamentos Especificos no Futebol.
R:
abraço
XXXXXXX
Pela primeira vez tinha recebido ordens...

segunda-feira, 12 de julho de 2010

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Mais que um jogo


Quando vivi em Portugal, uma família patrícia me acolheu como se dela eu fizesse parte... mas fora daquela casa, não havia o quê me fizesse sentir fazer parte daquilo tudo, sendo um igual no meio deles. Talvez fosse eu mesmo que me via como uma diferente.

Já faz mais de três anos que por aqui estou... meu esforço pra aprender o idioma e entender este país valeram muito a pena. Não me lembro de um momento em que me sinta uma carta fora do baralho. Como já disse um amigo: "pra mim você é um holandês que fala meio diferente".

Era final da EUFA Cup... Porto x Celtic, da Escócia. Muitos amigos, internacionais e brasileiros, iriam assistir ao jogo juntos. Decidi sair sozinho. Da avenida dos Aliados gritávamos todos: Puuuoooorrrtooo!! Não se importaram de onde vinha, acho se quer repararam em meu sotaque. Não os achei desconfiados... Fiz mais contato com eles por ali, naqueles 90 minutos, do que no resto do tempo que fiquei por lá.

O convite foi feito: "o jogo começa as 20.30h... traga sua bebida e seja bem vindo, desde que você não torça pros de vermelho!!" Vários amigos apareceram e, como combinado, a torcida foi pro Brasil... houve porém diversão com o sufoco alheio, ainda mais sendo a Corea do Norte a pressionar um penta campeão! Apesar da amizade, uma tal rivalidade aparecia, principalmente entre os boleiros holandeses e o brasileiro. O nosso futebol ainda faz muito sucesso por aí, mas tenho certeza que não seriam apenas os argentinos a sorrir com nossa derrota... "se a gente for hexa vocês vão ter que me aturar!!!!"

Que poder tem este jogo: um dia nos faz iguais... no outro, transforma os amigos em grandes rivais.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Gritos


Os pedais giravam rápidos... estávamos já quase em casa.

Em meio a gritos meio sem sentido... Help!!!!Help!!!!

Com a noite escura, só as distinguimos dos marrecos devido aos gritos de desespero. Duas cabeças lutavam pra não se afundar no meio daquele canal

Nossas bicicletas e nossos casacos ficaram pela grama...

"Eu não aguento mais!!!!" De cima de um dos barcos alcançamos aqueles dois... um terceiro par de mãos apareceu pra nos dar uma força.

"Você está bem?!" Os olhos estalados, como aos do Munch, me diziam muito apesar da falta de resposta.

As sirenes gritáram por todos os lados... bombeiros, polícia e ambulâncias.

"A polícia tá vindo?!" - ele queria fugir... mas sem forças ficou sentado.

O silêncio dela se quebrou: "tem gente na água!!!! tem gente na água!!!!" sendo que ela mesma já estava em terra.

Não cruzássemos aquela ponte... teriam dado muito trabalho aqueles dois

No meio daquela zona... saímos de fininho.

Com pés molhados seguimos nosso caminho.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Senhor bandeira...


Aqui cada time leva um bandeira... o deles tinha acabado de anular um gol meu. Nada de complicado: num rebote do goleiro eu botei pra dentro. Mas ele estava lá, com bem mais de trinta em cada perna, levantando seu objeto de trabalho. Não seria minha glória, mas seria o 2x2.
Alguns minutos depois fui substituído... parei perto do alambrado pra conversar com amigo, que tinha saído antes de mim.
Sua resposta confirmou o que eu já sabia: não estava impedido!
Dois senhores, provavelmente com a mesma idade do bandeira, se divertiam com o meu lamento.

- senhores, eu estava impedido ou não?

Enquanto um balançava negativamente a cabeça o outro disse:

- você não estava impedido... mas só por bem pouquinho - em seguida uma longa risada.
- poxa... mesmo com este tanto de gente boa aí o bandera de vocês ainda dá uma ajudinha?!?!
- pois é, tá vendo aquele aí, o número 5. É meu filho, já jogou no Ajax e no Barcelona...

Algum tempo depois um deles me pergunta:

- você por acaso é belga?
- não senhor.
- de onde você vem então? Não reconheço o seu sotaque.
- se o bandeira dos senhores não tivesse anulado o meu gol eu teria comemorado assim... imetei a comemoração do Bebeto contra a Holanda em 94.
- hahaha... você é brasileiro! As pessoas aqui não esquecem do Bebeto.
- pois saiba que eu joguei contra o Pelé. Aqui no estádio olímpico de Amsterdam. E nós ganhamos de 1x0! - todo orgulhoso.
- e eu apitei aquele jogo - disse o outro.
- ah... e senhor deveria ter um bandeira com este - o bandeira acabava de cruzar a nossa frente.
- eles riam...

- bandeira! estes senhores aqui estão me dizendo que o senhor se equivocou quando anulou o meu gol.
- os dois continuava rindo...

Ele parou, olhou pra'queles dois e disse:

- estes aí... estes dois... eles não sabem de nada!

A risada foi geral...

terça-feira, 6 de abril de 2010

A minha glória

Contra-ataque pro nosso time. Recebo a bola em velocidade... um marcador vem em minha direção. Com um corte seco, ele - que não é qualquer um - cai. Eu conduzo a bola mais um pouco.
Logo ao cruzar a linha da grande área, um pouco a esquerda da meia lua, vejo um companheiro livre perto da marca do penalty.
Ele grita quase desesperado: Passa a bola Felipe!!!!
A chuva caia forte, o campo todo elameado... o tempo meio que parou:

- Acabei de deixar meu marcador no chão. Ainda mais ele, que há muitos anos quase me faz agonizar. E enquanto eu quase agonizava, vocês todos pulavam de alegria! Se tem alguém que vai fazer este gol, esse alguém sou eu!"

A noite era fria. A multidão se esqueceu de São João e se enfiou naquele galpão velho pra torcer pra um baixinho. Com meus 14 anos sofri feito um coitado, ainda mais quando ele - que agora ainda tenta se levantar - marcou aquele gol... Em hipótese alguma, eu passaria aquela bola.

Pro desespero de meu colega, ele viu um chute sair cruzado... Seria a minha glória!



Felizmente, tínhamos o Branco, e ele fez daquela noite fria uma grande festa... Infelizmente, não sou melhor do que sou e a minha bola não foi pra onde eu queria...

Pra ser sincero, não me importo muito em ter perdido aquele gol, ou mesmo que nós tenhamos perdido com um gol no finalzinho... a lembrança do Aron Winter caído no chão e o prazer em enfrentar aqueles que, até outro dia, jogavam em outros campos (Barcelona, Inter de Milão, Lazio, Bordeaux, Ajax, entre outros) vale mais que qualquer coisa.

quinta-feira, 25 de março de 2010

tecla sap


Normalmente, quando eles começam a falar, eu ligo o botão do português. Já estou no meu quarto treinador desde que cheguei por aqui. Eu sei que pode ser, em grande parte, minha prória culpa, mas até agora nenhum deles me cativou profissionalmente. Os cara falam, gesticulam, se empolgam, dão conselhos e eu... apenas finjo que escuto. Por vezes, quando percebo que tá todo mundo concordando, dou uma balançadinha na cabeça também.

Infelizmente não é sempre que eu consigo me desligar. Com o passar do tempo por aqui, fica cada vez mais difícil não compreender o holandês, mesmo quando eu quero. Ai, algumas vezes me deparo com algumas pérolas.

Naquele dia o entusiasmo do treinador era tanto, durante um dos intermináveis treinos de passe, que a tecla sap aqui de minha cabeça não funcionou... mesmo sem eu querer o modo voltou pro holandês

- pro passe sair bom, vocês devem fazer um movimento preparatório - ele ia e vinha... vocês têm que chegar à bola com velocidade! Mas sem esquecer o equilíbrio. O joelho da perna de apoio deve estar um pouco flexionado. A batida na bola tem que ser com força! - numa bola imaginária ele imitava a realização de um passe.

Eu quis rir... felizmente nem todas as pérolas me irritam! Mas se há uma coisa que eu não preciso é alguém querendo me ensinar dar um passe, ou um cruzamento, ou a dominar uma bola... Não digo que eu não possa melhorar nestas coisas, até que poderia, mas no alto de meus 30 anos eu quero mesmo é bater minha bolinha. Tudo o que está entre o calçar das chuteiras e o jogo... atrapalha, inclusive o treinador.

Pode parecer loucura, mas eu trocaria com certeza o campo branquinho aí de cima por um treinador menos empolgado.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

A single story

Como quase sempre algo começou a pipocar em minha cabeça... como quase sempre, enquanto eu pedalava...
Logo imaginei: "hoje vou escrever alguma coisa!"
Ao chegar em casa, com uma história quase pronta em minha cabeça me deparo com palavras de uma desconhecida.
Palavras de alguém que nunca tinha visto, mas que diziam o que eu sempre quis dizer. Não vivi as experiências dela, mas reconheço o significado da história dela.

O texto quase pronto desapareceu...


sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Um utópico desejo


Já faz algum tempo que eu tento não generalisar tudo o que vejo... tentar entender as coisas e aceitar que existem diferenças é pra mim sempre a melhor solução pra viver bem onde eu estiver.
Mas algumas vezes acontecem daquelas, que de tão marcantes e exageradas, fica impossível de não dizer: "só aqui pra acontecer algo assim!!!!"


Eu pedalava de volta para casa, vinha de longe. Meu caminho me fazia passar próximo a um amigo. Os dedos meio gelados da luva molhada pela chuva me obrigaram a parar. Toquei a campanhia... nada. Olho pra cima e da rua eu vejo as luzes da TV. Toquei mais uma vez... nada. Fui olhar de novo, pra ver se não tinha olhado pra janela errada. A TV dele estava realmente ligada... Com os dedos gelados segui meu caminho.


A última vez que nos vimos foi há mais de 10 anos... e são quase 10 anos sem notícias. Por estar de volta, resolvi ligar, seria bacana saber das coisas:

- Como é que vai rapaz? Quanto tempo!!
- Pois é, faz tempo mesmo. Comigo vai tudo bem e com você?
- Tudo bem. Aproveitando das férias... estou curioso pra saber como andam as coisas. Faz muito tempo que não tenho notícias.
- Tudo na mesma. Trabalhando... indo pra praia... aproveitando da vida.
- E a filha... deve estar grande?
- Pois é. Tá sim...
- E com o que você tem trabalhado?
- Ah... não vamos falar disso não...
- Como assim?
- Assim... sei lá... não quero falar disso não... eéée...
- Por acaso você sabe realmente quem está falando?


Da próxima vez que encontrei meu amigo comentei que tinha passado na casa dele outro dia...
- Era você?! Caramba estava assitindo TV, mas como não estava esperando ninguém acabei não atendendo. Você deveria ter ligado...
- Pois é, estava só passando e resolvi parar.


- Poxa... mas fazia tempo tempo que a gente não se falava. Como eu poderia imaginar que você me ligaria assim.
- Não se preocupe, eu entendo perfeitamente.


As vezes, quando estou por aqui, eu sinto um pouco de falta da espontaneidade... de receber alguém de supresa, de uma balada surgir do nada, destas coisas que simplesmente acontecem. Por que é que quase tudo tem que ser combinado? Por que as pessoas marcam uma balada pra daqui a 3 semanas? Por que as coisas não podem somente "acontecer"? Eu me recuso a anotar um encontro com um amigo em minha agenda...

Quando estou no Brasil, sinto falta de poder acreditar em tudo o que as pessoas dizem. Eu compreendo alguém não se lembrar de mim depois de tantos anos, mas por que fingir conhecer alguém e continuar uma conversa? Por que dizer "que saudade" se as pessoas não fazem o menor esforço pra se ver? Por que dizer "tá cedo, fica mais um pouco" se o desejo é que a visita logo se vá? Hoje eu prefiro não acreditar em tudas as coisas que ouço...

Eu gosto muito de viver por aqui... como sempre gostei muito de viver e estar no Brasil. Mas isso não me tira o direito de as vezes lamentar que a Holanda não tenho um pouquinho de Brasil e que o Brasil não tenho um pouquinho de Holanda.

Nos meus sonhos, meus dois mundos seriam um só...

sábado, 16 de janeiro de 2010

Dois mundos



Aquelo longo dia de trabalho felizmente chegava ao fim. Casaco fechado, mochila nas costas e luvas em baixo do braço... hora de ir pra casa. Uma breve passagem pelo mictório faria o retorno mais agradável. Ainda com o braço esticado, segurando o botão de descarga, assisto meu par de luvas descer por água abaixo.

Por muito tempo, foi meu sonho ter ali uma casa, a beira daquela areia inclinada, no começo fina e branca, mais logo depois grossa e avermelhada. Os finais de tarde em Massaguaçú são das melhores lembraças que guardo de minha infância. Ponta de Capricórnio de um lado, praia da Cocanha de outro... ilha de Massaguaçú, do Tamanduá e Ilhabela mais ao fundo. Por que foram construir aqueles dois prédios feios que agora me atrapalham ver a serra?!
Descíamos correndo em direção a água ao encontro de uma grande marola. Essa era nossa diversão. Nos dias que as marolas viravam ondas, ralávamos nosso peito pegando jacaré.
Eu já não era mais criança, já não sonhava mais em ter casa ali, estava difícil de partir, mas outro lugar encontador me esperava... hoje eu já vi muitas outras praias, mas Massaguaçú, ao entardecer, continua sendo a minha preferida.

O cadeado estava até meio emperrado por congelamento, a bicicleta fria como neve... meus 25minutos pra casa pedalando eram tortura de mãos desnudas. Num mercado próximo, único comércio aberto depois das seis, nada de luvas em suas prateleiras. Mas uma bela promoção me fez sorrir: 3 pares de meia por 2 pilas.

Com os pés de fora e sem camisa, eu tomava um sorvete na varanda de casa. Já era quase meia noite. O verão apenas começara, meu eu desfrutava daquela noite como se ela fosse a última. Meus pais me faziam companhia. As vezes eu acho que não há nada melhor que uma noite de verão...

Sobre uma Amsterdam branquinha de neve eu pedalava de volta pra casa. Incrível que há apenas alguns dias eu tomava aquele sorvete com meus pais, naquela minha última noite de verão. Incrível como agora, feito piloto de rali, em trilhas pelo gelo eu me equilibrava. Numa hora, desfrutava de uma noite quente, me refrescando com um sorteve, outra hora, desfruto de uma Amsterdam enfeitada pela neve, aquecido com três pares de meias feito luvas.
Incrível como em tão pouco tempo possa estar em duas realidades tão diferentes... mais incrível é como já ficou normal, estar um dia lá e o outro aqui.
Hoje eu vivo em dois mundos.