Nesta vida não tenho muitas conquistas materiais, porém as histórias são diversas. Quem eu seria sem minhas histórias? Não seria eu.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Antes só


Outro dia estava no trabalho quando toca meu telefone. Não podia atender. Algum tempo depois ouço a caixa postal:

- Senhor Felipe, falo da prefeitura de Amsterdam e o senhor Flávio precisa entrar em contato com o senhor. Por favor retorne esta ligação.

Sem qualquer sobre de dúvidas retornei.

- Me desculpe senhor, mas apenas com o primeiro nome não podemos identificar a pessoa. O senhor não sabe o sobrenome deste Flávio?

Eu não sabia. Nem tentei forçar a barra, todos aqui são encontrados pelo sobrenome, ou data de nascimento. Não haveria jeitinho que eu pudesse dar pra poder contactar o tal Flávio. E eu conheço alguns Flávios. Fiquei meio angustiado, de certa maneira torcendo pra que no dia seguinte alguém da prefeitura me voltasse a ligar.

Quase 11h da noite, toca o telefone.

- Fala Felipe, aqui é o Flávio, tudo bem?
- Tudo.
- Então, tô precisando de um lugar pra morar, você conhece alguém que pode dividir o apartamento comigo? Eu tô no hotel “qualquer coisa”, mas aqui é caro e não dá pra ficar muito tempo, por isso quero que você me ajude a encontrar um lugar pra morar.
- Espere aí... quem é você?
- Sou Flávio, de João Pessoa. Cheguei aqui em Amsterdam ontem a noite. Vou viver aqui. Por isso você tem que me ajudar a encontrar um lugar pra morar. Você não quer vir me encontrar agora? A gente poderia conversar um pouco. Quero que você me diga como você tirou seu visto.


- Desculpe... mas como você conseguiu meu telefone?


Puta longa história, mas pra resumir: muitas pessoas, a começar pela pessoa da prefeitura, tentaram informar pro cidadão, que não falava nada de inglês, muito menos de holandês, que ele poderia permanecer por aqui por 3 meses como TURISTA e depois ele teria que ir embora. Ser TURISTA significa passear, conhecer, gastar dinheiro e embarcar de volta! A idéia de virar estudante e tirar visto não existe por aqui. Mas a chatice e a inconveniência do cidadão fizeram com que alguém, depois de muitos alguéns, desse meu telefone pra ele, pois este alguém sabia que eu poderia explicar pro cidadão que os planos deles não eram para nada reais. Depois de ouvir toda a historia, sobre como ele chegou até mim, ainda ouço mais uma vez:


- Você não pode vir me encontrar, aqui no meu hotel?


- Flávio, são quase 11 da noite. Eu não vou sair pra te encontrar.
- E amanha?
- Eu trabalho.
- Eu vou ao seu trabalho.
- Você não vai ao meu trabalho.
- Na hora do almoço.
- Não!
- Mas você tem que me ajudar a conseguir o visto, como você conseguiu o seu? Vou estudar holandês pra tirar um visto de estudante, mas pra isso eu tenho que arrumar um lugar pra morar, aqui é muito caro...

A conversa ainda não terminou aqui... foi difícil convencer a figura que não haveria maneira dele conseguir um visto, que o jeitinho que ele estava procurando não existe por aqui. Também foi complicado dele entender que eu, mesmo me considerando uma boa pessoa, não costumo ajudar pessoas como ele, que acham que tudo se resolve, que acham que podem importunar uma cidade inteira e ainda me ligar as 11 da noite como se fossemos amigos de infância.

As vezes ainda me perguntam por que eu não quero contato com todo brasileiro que vejo por aqui, prefiro andar só a me aproximar de figuras como esta.

Um comentário:

Otto disse...

Tá cheio desse Fe.
Aqui tb tem muito. E eu tenho o mesmo motivo que vc pra nao sair ajudando todo brasileiro.
Bom as coisas nem sempre sao assim. Nao tem jeitinho por aqui.