Nesta vida não tenho muitas conquistas materiais, porém as histórias são diversas. Quem eu seria sem minhas histórias? Não seria eu.

domingo, 17 de maio de 2009

Mais um...



Há cerca de dois anos e meio eu escrevia um email que enviaria ao Brasil, no qual falava da oportunidade de poder treinar num clube amador de futebol daqui. Eu terminava o email da seguinte maneira:

"Vamos ver como vou me sair... se for bem, vou começar a treinar constantemente e quem sabe possa até disputar os campeonatos amadores por aqui... seria gostoso voltar a jogar. Seria bom também conhecer mais gente, falar mais holandês, entre outros.
Bem, vou indo por aqui!"

Eu acabei conseguindo treinar em dois clubes. O primeiro ficava, com a magrela, a cinco minutos de casa. Fui muito bem recebido, era uma equipe com gente bacana, na maioria pessoas de origem estrangeira, como se diz por aqui: "não holandeses". Como eu.
Pro segundo, do outro lado da cidade, tinha que pedalar 35 minutos. Voltar de lá, depois do primeiro treino, já sem pernas e com o frio da última semana de outono não foi nada animador. A aquipe era formada apenas por holandeses. Ali, o único "não holandês" seria eu.
Ambos os treinadores pediram pra eu voltar. Não foi difícil escolher... os 35 minutos de bicicleta depois do treino passaram a fazer parte de minha rotina.
Não foi fácil ficar por lá. Meu corpo não estava mais acostumado a dois treinos e um jogo semanais. Em meu primeiro ano tive mais lesões que em todos os outros anos de minha vida. Tendinites, torções e estiramentos me acompanhavam naquelas noites geladas na volta pra casa.
Eu já me comunicava bastante bem em holandês, mas entender o treinador durante os treinos era tarefa árdua. Participar ativamente das conversas de bar depois do jogos impossível. Na maioria das vezes dava vontade de sair de fininho... me perguntava se alguém iria perceber. Mas eu me segurava e ficava no meio deles o maior tempo possível.
Não é fácil chegar de fora num grupo ou sociedade já formados e vir a fazer ativamente parte deles. Felizmente pude aprender que quem tem que dar o primeiro passo somos nós, e que depois do primeiro passo, vem o segundo, o terceiro, o quarto e assim por diante. A caminhada é longa.
Depois de dois anos e meio, eu tenho absoluta certeza que a minha opção pelo clube no qual eu seria o diferente (o "não holandês") foi a melhor possível. Hoje enfrento bem melhor os problemas encontrados, tenho certeza que perceberiam se eu saísse de fininho de alguma roda, sou convidado pra aniversários e casamentos. Fiz amigos que me ajudaram a compreender melhor o modo de vida holandês.
Depois de mim, outros "não holandeses" chegaram ao clube. Ambos de origem marroquina, porém nascidos na Holanda. O primeiro não se adaptou muito bem ao clube e no meio da temporada nos abandonou. O segundo, Youssef, conseguiu se adaptar um pouco melhor, mas mesmo assim preferiu procurar outro time pra jogar ano que vem.
Ontem, logo depois de nosso úlitmo jogo ainda no campo, perguntaram, meio que criticando, por que ele procurou outro time pro ano que vem... afinal acreditamos ser um time tão bacana.

- Mas eu, pelo menos, sou o primeiro "não holandês" a terminar uma temporada neste clube! - disse ele, meio que fugindo da pergunta, antes de ir pro vestiário.

Alguns concordaram e ainda se disseram impressionados com o esforço que ele tinha feito pra se integrar.

- Como assim, o Youssef é o primeiro "não holandês" a terminar uma temporada com a gente? - eu perguntei.
- Você não se lembra daquele outro "marroquino", o Adil, que ano passado largou o time no meio do campeonato?
- Claro que me lembro, mas parece que vocês se esqueceram que faz dois anos e meio que eu jogo por aqui.

Depois de algumas risadas, um deles diz:

- Mas pra gente você é um holandês que fala com um sotaque meio diferente!!


Pra mim, eu continuo um brasileiro... feliz por saber que depois de uma longa caminhada cheguei onde queria. Ser apenas mais um.

domingo, 3 de maio de 2009

"Esquecimento"


A mala que estava nas costas era bem pesada, e os dois tripés que levava me atrapalharam um bocado pra entrar naquele ônibus. O que eu mais queria era logo me sentar, pra me livrar por alguns instantes daquele peso que eu carregava.
Logo que validei meu bilhete, fui procurando meu assento.

- Você não esqueceu alguma coisa? - disse o motorista.
- O que o senhor disse?
- Você não se esqueceu de algo?

Refiz, mentalmente, meu passos: "entrei no bumba, validei o bilhete, a maquininha confirmou a validação, pois a luz verde piscou..." e respondi:

- Acho que não! - seguro que nada faltava.
- Boa noite - disse o motorista holandês com uma simpatia gigantesca. Emendando logo em seguida um: tudo bem com você?

Depois de retribuir a saudação e me desculpar pela falta de educação, me sentei logo na primeira poltrona. Eu só pude rir da situação e admirar aquela simpática figura, um quebra gelo nestes dias cada vez mais antissociais em que vivemos.
Depois de descer do ônibus me realisei como a gente, independente do lugar, pode se distanciar do mundo que nos cerca. Ficamos tão concentrados em nós mesmos que acabamos por nos esquecer de quem está ao nosso lado.
Tenho quase certeza sobre o que aquele motorista gostaria de ter me perguntado quando pequei minhas tralhas e, preocupado em não deixar nada pra trás, saltei dequele ônibus.

- Você não estaria, novamente, se esquecendo de algo?