Nesta vida não tenho muitas conquistas materiais, porém as histórias são diversas. Quem eu seria sem minhas histórias? Não seria eu.

domingo, 26 de outubro de 2008

Ainda não foi desta vez...


* Parece que ando escrevendo bem... tanto que um amigo me pediu pra escrever um texto pro blog dele. Há textos bastante bacanas por lá, um deles é o que segue abaixo.
Quando vivia em São Paulo ele era uma compania distante, mas era importante... pra chegar até ele eram cerca de 30 minutos, sem trânsito. A partir daí a viagem era quase sempre rápida e confortável.

Em Amsterdam ele fica a poucos minutos de casa, de bicicleta. Com ele poderia ir ao trabalho, levando inclusive a magrela, e pra vários outros pontos da cidade. Eu nunca ouvi dizer que o daqui é o melhor do mundo, mais limpo, mais bonito, ou mais bem cuidado. Mas funciona muito bem, e está em plena expansão. Mesmo assim, se ele não estivesse por aqui não sentiria muita falta... pois eu vou mesmo é pedalando.

Em São Paulo, quando voltava lá das bandas do Jacanã, naquele último trem que eu não poderia perder, pois chegaria em casa "só amanha de manhã", eu ia quase dormindo. Trem vazio. Cabeça encostada na janela e pés esticados sobre o banco da frente. Numa destas entra um policial e gentimente pede pra que eu me sentasse direito.

Semana passada tive que pegar o metrô, numa rara oportunidade. Vagão vazio, era bem cedo. A cabeça encostava na janela. Entram três policiais.

- O senhor tem autorização da empresa pra colocar os pés sobre o banco?
- Não entendi - retirando prontamente o fone de ouvido do tocador de MP3.
- O senhor tem autorização da empresa pra colocar os pés sobre o banco?
- Não senhor.
- Posso ver seu documento de identidade?
- Um momento...

O policial recebe o RG, retira um bloco do bolso e começa a anotar algumas coisas.

- Seu endereço por favor?

O endereço é anotado no mesmo bloco, e logo depois o RG é devolvido.

Quando eu imaginava que aquilo já havia terminado, eis que vem uma nova pergunta:

- Qual foi o motivo?
- O que?
- Por qual motivo o senhor estava viajando com os pés sobre o banco? - Eu quis rir
- Mmm... Porque é mais gostoso sentar assim
- Foi por conforto então?!
- Isso - o motivo foi anotado também no mesmo bloco.

O policial deu bom dia e foi, com seus colegas, pro outro lado do vagão.

Em São Paulo, eu nunca deixei de colocar meus pés no banco da frente por causa daquele encontro com o policial. Não me lembro direito, mas imagino que logo depois que ele saiu voltei a me esticar.

Por aqui, por mais vazio que o metrô estiver, a partir de agora, meu pés ficarão mesmo é no chão. Afinal acho que 35 euros de multa por viajar com os pés sobre o banco devem doer no fundo da alma. Ainda não foi desta vez, felizmente o transgressor não era eu, ele estava sentado a alguns metros de mim. Eu, curioso, apenas ouvia o desenrolar daquele "crime".
A cabeça voltou a se encostar na janela...

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Casa da Pasta

Outro dia, depois de muito tempo, troquei umas palavras com a Joana, umas das habitantes da inesquecível Casa da Pasta.
Fazia muito tempo também que não conversava com algum deles... eram 8 seus reais habitantes, mais eu e a Manu, moradores adotivos.
Além de mim, da Joana, portuguesa e da Manu, italiana, viveram lá a Kika, alemã, a Clare, escocesa, mais a Michela, o Stefano, o Marco, o Paulo e a Melania, todos italianos.

No início, eu , na busca por conhecer pessoas novas, ia sempre jantar no restaurante central da universidade do Porto, lá comiam muitos estudantes recém chegados à cidade como eu. Na volta, quase sempre passava pela Casa da Pasta, que ficava no meio de caminho pra minha. Muitas vezes, ia dormir com uma segunda janta em meu estômago.
Com a passar do tempo eu não chegava mais ao restaurante central, a Casa da Pasta era meu destino quase certo, isso quando ela não era apenas passagem para outro ponto final.
Depois de não aguentar mais a intrometida Dona Florisbela, proprietária da casa onde aluguei um quarto por cerca de 3 meses, a Casa da Pasta foi refúgio. Lá fiquei um mês antes de conseguir encontrar um outro quarto com um preço que eu poderia pagar. Foi, inclusive, graças a Dona Florisbela que os conheci. Quando cheguei pra me acomodar em um de seus quartos, alguns de meus futuros amigos estavam na sala, estudando português, com alemão e um espanhol que também vieram a ser vítimas da portuguesa. Acabei virando um bom professor.
Foi durante meus dias na Casa da Pasta que vi meus amigos partirem pro Natal, numa das experiências mais tristes daquele ano. Que foi por sinal a grande responsável pela viagem mais incrível que já fiz.

Quase no mesmo dia que falei com a Joana fui jantar com a Susanne num restaurante aqui perto de casa. Um pouco antes da comida chegar ouço uma música começar...

"Voi gente per bene che pace cercate, la pace per fare quello che voi volete, ma se questo è il prezzo vogliamo la guerra, vogliamo vedervi finire sottoterra. Ma se questo è il prezzo lo abbiamo pagato, nessuno più al mondo dev'essere sfruttato. heh!!"

Alguns instantes mais tarde a Casa da Pasta pulsava mais forte em minha mente... não havia quem ficasse parado ao som da Contessa. Poucas não foram as vezes que uma grande festa não foi animada, ainda mais, pelos Modena City Ramblers. Algumas de minhas melhores festas foram lá.
Eu, como todos os outros não italianos, não entendia quase nada do que era cantado. Mas sempre percebi o lado revolucionário daquela música. Talvez tão revolucionário como foi aquele ano pra mim. Ano vivido com extrema intensidade... As pessoas que estiveram por lá comigo sabem do que falo. Felizmente convivo todos os dias com alguém que também fez parte daquilo. Que me ajuda a não esquecer das coisas. Em Albergue Espanhol é possível de se entender um pouco de meus sentimentos, além de se ter uma bela idéia do que a Casa da Pasta significa.



O que mais me espantou depois de ouvir aquela música não foi a explosão de sentimentos que ela causou em mim, ou o fato dela me levar à minha querida Casa da Pasta. Mas sim o tempo que levou pra eu a reconhecer. Foi de certo modo um choque me realisar que muitas coisas de um passado nem tanto distante pareciam já estar perdidas. Acho que estou mergulhando muito fundo no presente.
Com certeza tenho que continuar vivendo o presente, mas de hoje em diante vou brigar ainda mais pra não esquecer o passado... tenho que procurar meus "velhos" amigos.
Clare, Kika, Joana, Manu, Marco, Melania, Michela, Paulo e Stefano, tenho saudades...