Nesta vida não tenho muitas conquistas materiais, porém as histórias são diversas. Quem eu seria sem minhas histórias? Não seria eu.

domingo, 18 de maio de 2008

Pare!


Sábado de manha, ruas vazias. Ia tranquilo.

- O senhor poderia encostar?

A pergunta foi colocada de uma maneira educada, mas ela era cheia de ordem. Não tive dúvida, com súplicas internas (“multa não! Por favor!!!”) encostei logo a frente.
O primeiro encostou ao meu lado, e segundo parou um pouco mais adiante, pra dar cobertura.

- O senhor acabou de passar por um sinal vermelho.

Poderia dar um perdido, fingir que não entendia o que ele estava falando... tinha poucos segundos pra reagir... descartei esta opção.

- Pois é, passei sim.

O outro só olhava... se depender da cara dele vou ter que pagar mesmo.

- Por que o senhor fez isso?

Não havia carros, era uma cruzamento pequenino, daqueles que todo mundo já fingiu não ver um dia... não tinha qualquer motivo pra ter feito isso. Fiz por pura preguiça de parar, e depois ter que acelerar... menti.

- Estou com pressa, e como não vinha ninguém, passei.

Eu nunca fui multado na vida! Nem naqueles radares mandraques da Tamoios... Mas acho que desta vez não passa. A cara do outro policial continuava a mesma.

- Então o senhor fez isso com consciência...

Só fiz uma cara concordando que tinha feito algo errado mesmo mas que, de alguma forma, mostrava um certo arrependimento.

Acho que a cara foi boa... pelo menos o coração daquele policial era, ele me pediu pra não repetir o gesto, me deu bom dia e se foi.
O outro nem bom dia deu. Se eles revezarem as funções (quem aborda e quem dá cobertura), a próxima “vítima” vai pagar a multa com certeza.
Fiquei aliviado, afinal, tomar minha primeira multa de trânsito por passar num sinal vermelho de bicicleta seria muito cruel!

Eles saíram na minha frente, também pedalando. Pra não correr riscos de vê-los mudarem de idéia e mostrar que realmente estava com pressa, o que não era verdade, me aproveitei que pra bicicletas não há limite de velocidade, pedalei bem forte e, fingindo que não os via, passei os dois como um foguete...

domingo, 11 de maio de 2008

Confissão


Décadas de 60 e 70. O país estava em crescimento e nas grandes cidades faltava mão de obra. Seus próprios habitantes não davam mais conta do trabalho, principalmente do trabalho pesado, manual.
Foram buscar gente em lugares distantes, com realidades também distantes, mas duras. Gente que não se preocuparia em viver em condições precárias, ou em ser excluída socialmente. Gente que só queria um futuro melhor pra seus filhos.
Hoje seus filhos têm uma vida melhor que eles tiveram. Podem estudar, estão próximos a médicos, têm mais chances de vencer na vida... Mas seus filhos não aceitam a exclusão social na qual seus pais tiveram que viver, não aceitam não ter as mesmas coisas que os filhos dos outros têm. Parece haver neles uma constante revolta, isso é facilmente visto em seus rostos. Eles são facilmente reconhecidos, só andam em grupos. Sua revolta acaba, por muitas vezes, provocando vários problemas/conflitos sociais. Devido a estes problemas, oportunidades acabam se fechando pra quem vem deste grupo, gerando mais revolta... o que mantém e fortalece o círculo vicioso.

Isso parece uma realidade brasileira, mas não é. Desigualdade e exclusão social não são problemas exclusivos de nosso país.
Quando a Holanda precisou de mão de obra pra se desenvolver ela mandou buscar na Turquia e no Marrocos. Às pessoas que vieram não foi sequer ensinado holandês. A eles foram dadas as casas onde os holandeses não queriam morar. Acreditavam que,depois de um tempo, esta mão de obra voltaria ao seu país de origem. Eles ficaram... excluídos, mais ficaram. Seus filhos se revoltaram.

Hoje, dizem que fazem de tudo pra integração destes grupos, por vezes acho que só dizem, como imigrante, sinto que a integração não é realmente levada muito a sério – mas, pra mim, o maior interessado na minha integração sou eu mesmo. Assim, temos hoje em dia, um lado dizendo que quer a integração dos imigrantes e de seus filhos, e no outro pessoas que não querem se integrar e que muitas vezes culpam os outros por todos os seus problemas.

Eu bem que tento compreender o lado destes imigrantes, deve mesmo ser difícil estar na segunda, ou terceira geração e ser ainda tratado como estrangeiro. Mas vindo de um país onde muitos não tem qualquer chance, fico por vezes revoltado com a revolta alheia, e o desperdício de oportunidades. As oportunidades são muitas e elas não são abraçadas por falta de motivação, parece não haver estímulos, seja dentro de casa, ou no convívio do dia a dia.
Como falei numa outra vez, aqui há as “escolas brancas” e as “escola pretas”, nas brancas estudam os filhos dos holandeses e nas pretas os filhos de imigrantes. Logicamente, o nível das escolas dos imigrantes é mais baixo que o das escolas do holandeses. A pergunta que eu sempre me faço é: por que os imigrantes não matriculam os filhos nas escolas de melhor qualidade, em vez de fazer questão de não se misturar, mesmo que pra isso tenham que pagar o preço de uma educação de pior qualidade pros próprios filhos?!?! Aqui é a Holanda, mas a educação também pode ser ruim por aqui.

A cada dia que passa eu tenho uma vida mais “a holandesa”, mas continuo brasileiro. E a cada dia que passa me sinto mais distante destes imigrantes, a ponto de, por vezes, preferir não me integrar com eles... chego a ignorá-los.

Acho que acabei de confessar de que também estou começando a os excluir socialmente...